Política

Adeus falinhas mansas. Marcelo prepara o país para o pior e avisa os “decisores políticos”: “Não facilitem”

Adeus falinhas mansas. Marcelo prepara o país para o pior e avisa os “decisores políticos”: “Não facilitem”
RUI OCHOA

Acabou o discurso soft. Nove meses depois do primeiro estado de emergência, Marcelo Rebelo de Sousa voltou ao ponto de partida: é preciso falar verdade e a prioridade é a saúde. O Presidente alertou para uma terceira vaga, avisou que desta vez a transição tem que ser mais competente, e disse não hesitar em esticar a emergência até ser "necessário". Para o Governo, um aviso: "Não facilitem". Para as oposições, um conselho: "Há tempo para apurar responsabilidades e não faltarão eleições para isso".

Adeus falinhas mansas. Marcelo prepara o país para o pior e avisa os “decisores políticos”: “Não facilitem”

Ângela Silva

Jornalista

Depois de, há 15 dias, ter decretado o estado de emergência em tom suave - chegando mesmo a dizer na comunicação que fez ao país que desta vez tudo seria "menos restritivo" - perante o agravamento da pandemia no país, o Presidente da República veio dramatizar a situação e pedir ao Governo que "não facilite".

"Que os decisores políticos e os portugueses não facilitem em dezembro", foi o seu grito de alerta, indisfarçavelmente preocupado com o estado do "Serviço Nacional de Saúde e do Sistema Nacional de Saúde em geral" - ou seja, incluiu os privados.

Certamente a par do que se passa no terreno, Marcelo - que tem tido contactos regulares com a ministra da Saúde e que referiu a alguns dos dirigentes partidários que recebeu esta semana a sensação de haver divergência no seio do Governo quanto às medidas a tomar -, começou a comunicação ao país em que anunciou a renovação do estado de emergência por mais 15 dias com a promessa de que iria ser "mais claro". O aviso que deixou não o podia ter sido mais: é urgente travar a fundo para evitar "uma situação crítica" no Serviço Nacional de Saúde.

O quadro traçado foi muito claro: "uma brutal pressão sobre o SNS, que vai aumentar nos próximos dias e semanas e cumpre evitar que culmine numa situação crítica. O que implica tentar conter o curso da pandemia em dezembro e certamente nos primeiros meses de 2021".

Mais: o Presidente anunciou como "provável" "uma terceira vaga entre janeiro e fevereiro" - quando ocorrem as eleições presidenciais - e alertou que ela "será tanto maior quanto maior for o número de casos um mês antes". Ou seja, afirmou, "importa tentar conter fortemente em dezembro o processo pandémico, mesmo que dias antes tenha passado o pico da segunda vaga".

Eis o recado - nada de entusiasmos ou facilitismos com a passagem do pico que aí vem porque, desta vez, a transição entre vagas tem que ser melhor acautelada do que foi da primeira para a segunda vaga.

Marcelo Rebelo de Sousa elencou o que correu pior (e que disse ser "natural" ter suscitado críticas), desde "erros, omissões, avanços, recuos, ziguezagues", até às hesitações em momentos-chave que fez questão de mencionar em pormenor. "Em maio e junho, sobre o agravamento de casos na Grande Lisboa; em agosto e setembro sobre a segunda vaga; em outubro, hoje e amanhã, sobre o que vier tarde ou mal explicado, por defeito do porta-voz ou por defeito da decisão".

O Presidente assumiu-se como co-responsável aos olhos dos portugueses (como já tinha, aliás, feito na entrevista à RTP em que se apresentou como "supremo responsável"), mas a verdade é que o diagnóstico do que falhou ficou registado para a acta pela sua própria voz.

Empenhado em assumir, a partir de agora, um papel mais exigente junto dos decisores políticos, Marcelo avisou que não hesitará em prolongar o estado de emergência até onde "for necessário", "finais de dezembro ou mesmo mais". "Que ninguém se iluda, não hesitarei", afirmou, sublinhando que esta renovação passou no Parlamento com mais de 80% dos votos.

Para os partidos mais pequenos que à esquerda e à direita desta vez chumbaram a renovação do estado de emergência, Marcelo deixou uma indireta com um sorriso nos lábios: "Nenhum deputado ou nenhum partido se opôs" ao primeiro estado de emergência decretado em março. Ou seja, Marcelo vislumbra motivos político-ideológicos, quando, afinal, as razões que justificaram o estado de exceção de março até se agravaram no país.

A terminar, o Presidente pediu aos negacionistas que não se esqueçam das pessoas que estão a lutar pela vida nos hospitais. Apelou aos espírito de unidade, combate e sacríficio dos portugueses e pediu aos políticos da oposição que percebam que esta ainda é "a hora de convergir, mesmo discordando". Mas deixou-lhes um inesperado sinal de esperança: "Há tempo para apurar responsabilidades e não faltarão eleições para isso".

O PCP não ficou sem uma critica indireta pela realização do seu Congresso nestes dias confinados. O Presidente fê-la ao elogiar "o comportamento exemplar das confissões religiosas" que têm sabido superar algumas das suas "datas" mais simbólicas para respeitar os confinamentos. Para bom entendedor ... .

O apelo ao necessário "equilíbrio entre saúde e economia", sem esquecer a cultura, não ficou de fora do discurso. Mas, desta vez, o Presidente deu claramente prioridade à crise sanitária. Voltando, afinal, àquela que sempre foi a sua convicção desde que, em março, convenceu o primeiro-ministro a fazer o que não queria - avançar para o estado de emergência, uma situçao excecional que, nove meses depois, se sabe pode ser prolongado até ao proximo ano.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: AVSilva@expresso.impresa.pt

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