Das duas horas de conferência de imprensa, eis os mandamentos que regem o ministro das Finanças quando o Orçamento começa a sair do adro.
1- Nem carne nem peixe
Que é o mesmo que dizer, nem Passos Coelho nem José Sócrates. O ministro das Finanças insiste que esta sua proposta de Orçamento do Estado evita aquilo que para o Governo de António Costa foram os caminhos errados do passado. A estratégia orçamental é mais de um expansionismo contido, que quer evitar a estratégia austeritária de 2011 a 2015, frisou, mas que também se afasta da primeira resposta que foi dada na crise das dívidas soberanas, com José Sócrates, com aumento dos salários dos funcionários públicos (será pequeno e limitado) e do investimento público (será "muito elevado", mas em linha com os aumentos dos anos anteriores). Agora, disse o ministro, é um orçamento "de forma diferente e de forma responsável". "Não tem austeridade e não vem acrescentar crise à crise", sintetizou.
A quadratura do círculo já vem de trás, da era Centeno, e mantém-se. "Até aqui, conciliámos contas certas com devolução de rendimentos. Também agora não abdicaremos do rigor", garantiu.
Na conferência de imprensa, João Leão reforçou que a sua resposta é "anti-cíclica" e defendeu os números que prevê para o investimento público ( mais mil milhões, um aumento de 20% em relação ao ano anterior). "É muito elevado", classificou, lembrando que em dois anos poderá haver um aumento de 40% acumulado. Estes investimentos serão sobretudo na ferrovia, os metros de Lisboa e Porto e na área da saúde.
2 - Novo Banco: o elefante na sala
O assunto queima e João Leão passou o tempo a libertar-se das fagulhas. E foram várias. Os jornalistas perguntaram uma vez: Qual vai ser a solução para injetar capital no Novo Banco? E João Leão apressou-se a responder na esperança que o assunto não dominasse a conferência de imprensa (que dominou): "O Orçamento não prevê nenhum empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução. O que está previsto é os bancos emprestem ao Fundo, sendo através dele que o Novo Banco se financia". Mas como? "Essa verba de empréstimo dos bancos ao Fundo de Resolução está prevista no Orçamento", mas "o Estado não participa nesse processo".
Os jornalistas perguntam duas vezes: Quanto vai pesar o Novo Banco no Orçamento do Estado? Perguntaram três vezes: Qual o impacto no défice? Perguntaram quatro, cinco, seis vezes. Era indisfarçável a tentativa do ministro de fugir ao assunto. Haverá empréstimo, que não do Estado e haverá um impacto que "estima" que possa ser de 200 milhões. (Pode ler aqui toda a explicação sobre o que se ficou a saber e as dúvidas que permaneceram sobre o assunto).
Esta foi uma solução encontrada de modo a responder a uma exigência do Bloco de Esquerda. Resta saber se chegará para cativar o voto dos bloquistas.
3 - TAP, o outro elefante que pode crescer
O que consta do Orçamento é um "valor indicativo" do que pode ser a injeção necessária para a TAP. E foi aí que largou a bomba: os 500 milhões previstos no Orçamento "não é o pior cenário, é o indicativo que temos, num contexto muito incerto. A evolução da pandemia será determinante", disse João Leão.
Ao contrário do Novo Banco, que só terá fatura em maio, irá saber-se a fatura da TAP em novembro, ainda a tempo da discussão do Orçamento do Estado (que só é votado na sua versão final no dia 26 de Novembro). O plano de reestruturação foi "antecipado" para Novembro quando começarão as negociações com a Comissão Europeia.
4 - Licença para gastar sem precisar de ninguém
É a maior carta branca que o Governo pede à Assembleia da República. No Orçamento do Estado há uma norma que autoriza o ministro das Finanças a fazer alterações orçamentais "não previstas" para medidas "excecionais" de resposta à pandemia. Um artigo que é um ás de trunfo pronto a ser usado caso seja necessário. Na conferência de imprensa, João Leão recusou pôr um número nesta autorização, mas admitiu que há uma margem no Orçamento em termos de dívida pública para dar resposta imediata à crise, se necessário. O jornal "Público" prevê uma margem no endividamento entre 10,56 mil milhões de euros e 19,9 mil milhões. Um valor que dava para fazer face a imponderáveis de última hora, de margem alargada.
Aos jornalistas, João Leão explicou que irá utilizar a "flexibilidade" que a autorização orçamental lhe dá , sempre na óptica de uma "dupla dimensão": responder às prioridades, nomeadamente na saúde, mas "não perdendo de vista as contas públicas". "Num contexto de incerteza" é preciso "uma flexibilidade adicional para termos capacidade de resposta", disse. Não respondeu se esta margem serviria para evitar um suplementar ou um rectificativo em 2021.
Essa margem de endividamento público, não quantificada pelo ministro, está assente na gestão da dívida pública que é mais um mantra.
5 - Aumentos (poucos) no Estado
Nas últimas semanas, os sindicatos da Função Pública têm negociado o quadro salarial do próximo ano, mas não têm saído com notícias que lhe agradem. Nesta gestão de João Leão, os aumentos para os funcionários públicos não terão a dimensão dos de 2009 e serão "em linha" com o salário mínimo e só para os trabalhadores que aufiram os valores mais baixos. O ministro recusou dizer qual o valor do aumento, mas se o salário mínimo subir para os 660 euros como previsto, os salários mínimos da função pública (que agora estão nos 645 euros), terão de subir pelo menos para esse valor.
Por agora só uma certeza: vai abranger "cem mil funcionários" dos cerca de 705 mil existentes. O valor total do peso dos recursos humanos no Orçamento será de 750 milhões de euros de aumento da massa salarial das administrações públicas. Já em agosto, António Costa tinha referido em entrevista ao Expresso, que preferia aumentar a massa salarial por ter contratado mais trabalhadores do que pelo aumento dos atuais.
6 - Dinheiro aos "poucochinhos" para avivar a economia
Os valores vão saltando da cartola aos bochechos e mais ou menos todos da mesma dimensão. O Governo apostou em várias vias para meter dinheiro no bolso dos portugueses via impostos, alguns "criativos", como o IVAucher, na ordem dos 200 milhões cada.
Neste Orçamento haverá um "ajustamento" das tabela de retenção do IRS, de valor orçamental de cerca de 200 milhões de euros que abrangerá sobretudo os trabalhadores dependentes. A explicação foi dada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes: "O nosso esforço vai ser muito direcionado aos trabalhadores dependentes com um ou dos titulares no agregado, onde estão quatro milhões de portugueses." Destes, disse Mendonça Mendes, 1,5 milhões não paga IRS e serão os restantes a beneficiar mais da medida ainda que todos os contribuintes poderão ter reduções (pensionistas incluídos).
Um ajustamento que está para ficar e que deixa de fora os pensionistas. Disse o secretário de Estado que o valor entre o que é retido e o que deve ser pago de imposto é mais próximo e como tal, se houvesse uma redução da taxa de retenção, poderia levar a que estes contribuintes tivessem de pagar no ano seguinte, no acerto de contas.
Outra medida querida para o Governo é o IVAucher, também de 200 milhões. Uma medida que não tem limite e que pretende devolver o IVA gasto nos setores da restauração e hotelaria em compras futuras. Este modelo será feito através do pedido de fatura que fica registado numa aplicação tecnológica que fará com que os cidadãos possam ter o saldo imediatamente disponível.
Além destas medidas, saiu ainda para completar o ramo, a baixa do IVA da eletricidade (150 milhões), o aumento extraordinário de pensões (100 milhões de euros para 1,5 milhões de pensionistas). No campo das empresas, os números engordam: 965 milhõees de apoio à manutenção de emprego e retoma da atividade.
7 - "Bom para os portugueses”: O Orçamento que só pode ser aprovado
Terão sido mais de sete vezes que João Leão referiu que este é um "Orçamento bom para os portugueses". A lógica é política: referindo que foram feitos mais avanços e mais medidas por causa das negociações com a esquerda, não consegue entender como haverá oposição ao documento do lado dos parceiros. "Não perceberíamos que o Orçamento não fosse aprovado”, diz João Leão em resposta a uma pergunta sobre o risco de crise política. O ministro insiste que este é "um orçamento muito importante para o país e para os portugueses”, que “responde à crise economia e social” e que "não acrescenta crise à crise em 2011”.
Para João Leão ainda há tempo para negociações até à votação na generalidade (dia 28 de Outubro). Uma ideia que o Governo quis deixar na segunda-feira por Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, em resposta ao Bloco.
Nas contas das calculadoras das Finanças não cabem contas eleitorais. "Este é o Orçamento que o país precisa e todos temos de colocar os interesses do país acima dos interesses de natureza eleitoral", disse.
8 - Dívida pública com mão de ferro
Logo na declaração inicial de apresentação do documento, João Leão fez questão de frisar que desde 2015 já houve uma poupança de três mil milhões de euros em juros que permite "libertar centenas de milhões de euros todos os anos” para outras medidas. Agora, o Governo diz que apesar de a dívida pública explodir (pelo duplo efeito de queda do PIB e aumento da dívida) vai manter o rigor na sua gestão. "É essencial para mantermos o acesso a financiamento em condições favoráveis. A poupança em juros permite apostar na vida sustentável dos portugueses", disse.
Durante a conferência de imprensa foi dizendo que os mercados financeiros "confiam na nossa trajetória" e que esse é um ponto fulcral: "Com os níveis de endividamento que temos é absolutamente crucial manter taxas de juro muito baixas" para que o serviço da divida se mantenha em níveis geríveis.