João Ferreira avança como “candidato a Presidente e não a percentagens eleitorais”
João Ferreira, do PCP, apresenta a candidatura à Presidência da República na Voz do Operário
TIAGO MIRANDA
Com o salão nobre da Voz do Operário cheio, mas com o devido distanciamento de segurança, João Ferreira deu o tiro de partida às presidenciais. Com bicadas às "ausências e até insensibilidade" de Marcelo face aos problemas dos trabalhadores, prometeu dedicação completa a esta nova "batalha eleitoral"
"Sabemos enfrentar os ventos agrestes da História", diz João Ferreira. O candidato oficial do PCP às próximas eleições presidenciais já estava a terminar o discurso de cinco páginas - que leu inteirinho, sem uma alteração ou um à parte - e já a sala estava de pé a aplaudir. As últimas frases foram já quase apagadas pelo entusiasmo do público, que vibrava com os elogios à resistência dos comunistas, descritos como os "que não se escondem, que não desertam, que não rendem", os que enfrentam a resignação e o medo", os que "lutam até às últimas consequências".
O candidato escolhido pelo Comité Central para as eleições presidenciais é, pela primeira vez, um dirigente nascido depois do 25 de Abril. João Ferreira agradeceu ao partido "a confiança demonstrada" e fez questão de mostrar a fidelidade completa aos objetivos traçados pelo "grande, generoso e combativo colectivo, o PCP". "Tal como uma parte grande da população portuguesa, nasci depois de 1974. Tal não impediu que o impulso de Abril e a actualidade dos seus valores se projetasse em todas as lutas que travei", disse.
João Ferreira, do PCP, apresentou a candidatura a Presidente da República na Voz do Operário
TIAGO MIRANDA
Nas primeiras filas, os dirigentes máximos aplaudiam e validavam a nova figura de primeira linha do partido. Jerónimo de Sousa, mas também o seu antecessor, Carlos Carvalhas. E Francisco Lopes e Edgar Silva. Os quatro últimos candidatos presidenciais - com melhores ou piores resultados na urnas - ali estavam a demonstrar publicamente o serviço partidário.
Curiosamente, ou talvez não, dois deles chegaram a secretário-geral depois de uma campanha presidencial. E, com um congresso à porta, a possibilidade de João Ferreira ser o sucessor de Jerónimo de Sousa foi logo das primeiras perguntas levantadas pelos jornalistas. "Não contribuirei para desvalorizar o que está em causa nestas eleições. E é nestas eleições que estarei empenhado", rematou logo o candidato.
Nem sobre isso, nem sobre as metas de resultado, ou as possibilidades de abandonar a corrida, se isso ajudar a provocar uma segunda volta. "Não vamos desistir", disse logo no arranque do discurso. "Sou candidato a Presidente da República e não a percentagens eleitorais", acrescentou mais tarde.
Bicadas a Marcelo e promessas de luta
O programa de João Ferreira é de "alternativa para o exercício das funções de Presidente da República". Em linha com o que os comunistas pediam nas últimas legislativas, também aqui se pede um "novo rumo", se apela à não resignação e se convida à luta a todas as tentativas de "atacar direitos e impor retrocessos".
É certo que "o Presidente da República não é Governo" e, na verdade, não tem poderes executivos. "Mas pode e deve actuar", reclama João Ferreira, para quem, a partir de Belém se pode utilizar mais o direito de veto, o recurso ao Tribunal Constitucional, enviar mais mensagens à Assembleia da República e até convocar extraordinariamente o Parlamento. Isto, para além, da bomba atómica que um chefe do Estado tem e lhe permite demitir um Governo.
Nestes "amplos poderes presidenciais", os comunistas não vêem com bons olhos, o desempenho de Marcelo Rebelo de Sousa. O seu "empenho numa rearrumação de forças políticas, assente no branqueamento da política de direita e dos seus executores" é um pecado que há muito vem sendo apontado pelo PCP ao atual Presidente da República. Mas, João Ferreira, vai mais longe: ser chefe do Estado "exige uma genuína ligação à vida e não uma falsa empatia", "exige vontade e determinação inabaláveis de libertar a vida nacional da dominação dos grandes grupos económicos e financeiros, que sufocam a democracia e o desenvolvimento".
As indiretas a Marcelo Rebelo de Sousa foram concretizadas na fase de resposta às perguntas dos jornalistas. "Houve demasiadas vezes uma ausência, indiferença e até insensibilidade aos problemas dos trabalhadores", disse João Ferreira. E exemplificou com "as trabalhadoras de uma multinacional que andaram meses à espera de serem recebidas pelo Presidente da República" ou "a operária corticeira que todo o país conheceu", mas que não chegou a Belém.
"São situações em que se impunha uma intervenção", diz o candidato comunista já em ataque eleitoral. E entre "trabalho e capital, não é possível ser neutro". No caso de Marcelo, "a posição tomada não foi a de defesa dos trabalhadores despedidos e atacados nos seus direitos", rematou.