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PS. Uma rentrée asséptica com apelos mais amigáveis à esquerda

PS. Uma rentrée asséptica com apelos mais amigáveis à esquerda
TIAGO MIRANDA

Quatro ministros, pouca pancadaria política e um presidente do partido a mandar recados: foi assim que o PS recomeçou o ano politico. Os socialistas afinam a mensagem para a defesa de um acordo duradouro: sem isso, não haverá Governo com as estabilidade que a crise exige.

Na semana em que o líder do PS acenou com uma crise política, esta foi uma rentrée asséptica, desinfectada de (quase) todos os vírus políticos que por estes dias vão tentando infetar o PS. Nem Orçamento, nem acordos, nem presidenciais. Foi assim que António Costa abriu o ano político do PS, a evitar dentro de portas os assuntos que andam lá fora. Acabaram por ser outros a falar por ele da necessidade de a esquerda ficar mais perto do que longe em tempos de crise, que exige "estabilidade". Aos socialistas, o primeiro-ministro lá foi dizendo que está a preparar o campo político para um acordo e que enquanto outros se concentram no agora, para ele isso não basta: a dimensão da crise pede um acordo de legislatura para pôr em marcha o seu programa de reconstrução económica do país.

“Estamos a trabalhar para criar as condições políticas para que no horizonte da legislatura haja estabilidade para lançar e executar todos estes programas. Alguns transcendem mesmo a próxima legislatura; este é um programa para todos os portugueses”, declarou, logo pela manhã. E mais não se alongou sobre o tema em cima da mesa, a pressão sobre os ex-parceiros. O PCP ainda não quer falar - tem o dossiê quente da Festa do “Avante!” para resolver primeiro - e não estão ainda marcados novos encontros com a esquerda - serão agendados para as próximas semanas. Este foi, por isso, um momento de retiro político do PS em que se recolheram as armas. Um regresso à política com cheiro a intervalo de jogo e preparação para a próxima fase. Não houve dramatização, não houve ataques, não houve críticas. Houve avisos em tom suave - e um alerta final reservado a Carlos César.

TIAGO MIRANDA

Como qualquer organizador de festivais saberá, é costume guardar-se o cabeça de cartaz para o fim, para agarrar o público. Neste caso, o primeiro-ministro marcou o tom da mensagem que queria deixar nesta rentrée e deixou o resto do dia para que outras vozes falassem por ele. Os últimos dias tinham sido de pressão sobre os ex-parceiros; o que se ouviu no auditório do Convento de São Francisco, em Coimbra, foram sobretudo apelos à estabilidade - de que o PS se quis mostrar guardião - e à responsabilidade de Bloco de Esquerda e PCP, embora nunca mencionados apenas de forma genérica como “a esquerda”.

Do desfile de ministros que passou pelo palco - Ana Mendes Godinho (Trabalho), Marta Temido (Saúde), Pedro Siza Vieira (Economia), Nelson de Souza (Planeamento) - levaram discursos sobretudo setoriais, avisos sobre os riscos que chegarão com o outono e revisões da matéria dada. De Costa, referências vagas e nenhuma menção aos ex-parceiros de esquerda: o PS conta com “todas as forças políticas” para a missão de recuperar o país e está a criar “condições” para que haja, no horizonte da legislatura, “estabilidade”. Aliás, Pedro Siza Vieira - na semana em que o Presidente da República disse que abrir uma crise era impensável - chegou a afirmar que o próprio Governo tem de ser um "farol de estabilidade".

Coube assim a outras vozes expor qual será a estratégia para os compromissos que o PS quer assumir. Duarte Cordeiro, que na pele de secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares é um dos principais negociadores que se sentam à mesa com a esquerda, interveio para garantir que o PS quer uma “resposta à esquerda” - “temos orçamentos para aprovar”. Mais duro, Porfírio Silva atirou direto aos antigos parceiros de 'geringonça': “Não vale a pena centrarmos este debate em picardias ou reivindicações espúrias. Quem for capaz de acompanhar acompanha, quem não for fica sozinho a resmungar a um canto”. Antes, Ana Catarina Mendes garantira que é no contexto da 'geringonça' que o PS “quer continuar”, mas também juntava um aviso: “O tempo não é de agendas irrealistas feitas de pressões, chantagens ou olhares sobre o umbigo”. A necessidade de recuperar o país, insistiu, deve ser “cimento suficiente para unir toda a esquerda”.

Aos 90’, entrou César

A mensagem mais política estava guardada para o fim e, como é frequente, ficou reservada para Carlos César: em tempos de dramatização política, mesmo que por vezes camuflada, entrou César para esgrimir os argumentos a favor de um acordo de longo prazo. O presidente do PS defendeu um compromisso com os "parceiros estratégicos" nunca os nomeando, porque "o Governo, neste tempo decisivo, não pode depender de humores acidentais".

A resposta, mesmo que sem o dizer, vai direta ao BE, que tem defendido que é preciso falar primeiro do OE para 2021 e só depois do tal acordo duradouro. O socialista sabe disso e deixou claro o que defende: "Não são só importantes as aprovações anuais dos orçamentos do Estado, como outras decisões e aprovações estratégicas no plano parlamentar. A crise pandémica trouxe outra consciência da absoluta necessidade de uma confluência", reforçou.

TIAGO MIRANDA

Antes das conversas à mesa com a esquerda, Carlos César tinha escrito um post no seu mural do Facebook a pedir aos ex-parceiros que se definissem sem demoras. Francisco Louçã e José Manuel Pureza responderam-lhe, falando em chantagens e arrogância. Agora, de viva voz, César deu o troco: "Não vejo chantagens ou arrogâncias nesses apelos, vejo humildade e grande consciência dos interesses do país", disse. E deixou até a porta aberta a que o dito acordo seja à semelhança do que foram as posições conjunta que resultaram no nascimento da 'geringonça': "Claro que não se pode fazer acordos sobre o que sempre se discordou, mas haverá sempre matérias suficientes para um propósito comum".

Foi o momento mais político do dia, mas já não havia muita gente para o registar: dos 327 inscritos no evento, a maioria deixou o auditório antes do final da tarde. Depois da pressão dos últimos dias, o PS quis assumir o papel de garante de estabilidade e passar a responsabilidade para os os seus interlocutores. As próximas semanas - setembro será um mês de negociações - dirão se a estratégia resultou.

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