Lei da nacionalidade: “Melhorar procedimentos, sim. Retirar direitos, não”
MIGUEL RIOPA
Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) é esta quinta-feira recebida na Assembleia da República, onde irá ser discutida a proposta parlamentar que obriga os descendentes de judeus sefarditas a residirem dois anos em Portugal para poderem obter nacionalidade portuguesa
A lei que permite a obtenção de cidadania portuguesa por parte dos descendentes de judeus sefarditas foi regulamentada só em 2015, mas já havia sido aprovada por unanimidade em 2013, pelo plenário da Assembleia da República. Apenas um certificado de registo criminal e uma declaração de descendência (emitida pelas comunidades de Lisboa e do Porto), eram necessários para atestar a hereditariedade e consequente requerimento do documento legal de nacionalidade.
Por iniciativa da deputada socialista Constança Urbano de Sousa, foi submetida ao Parlamento a proposta de alterar a atual legislação, passando a constar a exigência de se comprovar “tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral e que tenham residido legalmente em Portugal pelo período de dois anos”. Esta última medida já foi revista, tendo sido substituída pela expressão (...) "e que possuam efectiva ligação à comunidade nacional". Esta é uma formulação que não satisfaz as comunidades israelitas residentes em Portugal, que defendem a manutenção da Lei da Nacionalidade tal como está, no que se refere, em concreto, aos descendentes de judeus sefarditas.
Perante este cenário, várias têm sido as personalidades a insurgir-se contra a iniciativa, entre elas o ex-presidente da República Jorge Sampaio, assim como os principais lesados no caso de a medida vir a ser adotada: todos aqueles que tenham uma ancestralidade judaica portuguesa e que queiram agora tornar-se cidadãos portugueses.
A Comunidade Israelita do Porto (CIP) já demonstrou o descontentamento com a proposta, deixando uma pergunta aos deputados: “Por que motivo a proposta discrimina negativamente os judeus sefarditas, tornando-os os únicos descendentes de portugueses ou de comunidades de ancestralidade portuguesa obrigados a uma ligação efetiva atual a Portugal?”
É ainda nesse seguimento que a Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) será recebida no Parlamento esta quinta-feira, pelas 17H30. A audiência, a pedido da CIL, decorrerá em sede da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (Grupo de Trabalho “Lei da Nacionalidade”). Segundo os representantes da comunidade judaica, "esta é uma proposta que contraria uma decisão histórica, unanimemente tomada há sete anos pelo Parlamento português (Lei Orgânica n.º 43/2013), e regulamentada há apenas cinco anos pelo XIX Governo Constitucional (Decreto-lei n.º 30-A/2015, de 27 de fevereiro)".
A polémica está em cima da mesa e, para lá de já ter dividido o PS, também poderá estar em causa a forma como Portugal é visto por outros países. Algumas instituições europeias, os Estados Unidos e o Canadá, terão demonstrado preocupação devido aos programas de isenção de vistos firmados com Portugal. Segundo o deputado socialista Pedro Delgado Alves - que subscreveu a aprovação da lei em 2013 -, não estão reunidas evidências que sustentem qualquer alteração à mesma: "De todas as pesquisas realizadas e da informação que tenho obtido, nada sustenta aquilo que agora se está a tentar mudar. Esta lei, quando surgiu, veio introduzir um princípio nobre: o da reparação. Se os judeus não tivessem sido expulsos à força, teriam com certeza permanecido por muitas e muitas gerações".
Um dos elementos utilizados na discussão é o elevado e crescente número de descendentes de judeus sefarditas que pediram a nacionalidade portuguesa. Desde 2015 foram 62 mil candidatos e, só este ano, entre janeiro e abril, 10.233 pessoas manifestaram o desejo de ter passaporte português. Os pedidos vêm, sobretudo, de Israel (mais de 40 mil candidaturas, desde 2018), do Brasil, com cerca de três mil pedidos, e da Turquia, com pouco mais de dois mil processos nos últimos dois anos.
Num comunicado enviado à imprensa, a CIL afirma a "vontade de trabalhar ao lado do Governo português na busca de soluções efetivas, para que não sejam retirados direitos e eliminadas garantias à comunidade de descendentes de judeus sefarditas", no caso de se comprovar que a publicidade abusiva e excessiva sobre a possibilidade de ser concedida a nacionalidade portuguesa, esteja a trazer efeitos negativos na imagem e reputação externa do Estado português.
A Lei atual que se pretende mudar foi, na altura da sua elaboração, longamente discutida e aperfeiçoada com as comunidades judaicas, resolvendo a questão dos descendentes de judeus sefarditas; e a sua posterior regulamentação veio determinar o procedimento para demonstração da ascendência ao longo de gerações e gerações.
A votação na especialidade foi adiada, a pedido do PAN e dos sociais-democratas, mas várias personalidades têm-se manifestado contra esta intenção, inclusivamente no interior do Partido Socialista. Também o PSD já se pronunciou contra as mudanças.