O ex-secretário de Estado do Orçamento comprou guerras com a esquerda e dentro do próprio Governo. Agora, o “artífice das cativações”, como lhe chamou Mário Centeno, saltará para a linha da frente. Conseguirá convencer parceiros de esquerda e colegas de Governo?
Esteve sempre na sombra de Mário Centeno, mas nos corredores do poder todos sabem quem ele é: o até aqui secretário de Estado do Orçamento era a mão de ferro dentro do Governo, para muitos, à esquerda e no Executivo socialista, o “polícia mau” do ministro das Finanças (o que não era fácil), mais “centenista que Centeno”. Não foi por acaso que, certa vez, em plena Convenção Nacional do PS, Mário Centeno se referiu ao seu braço direito como o “artífice das cativações”. O que tinha como intenção ser um elogio - e era - tornou-se o reconhecimento público do que há muito se comentava nos bastidores: João Leão foi, muitas vezes, o cativador-mor do reino de Centeno. Agora, em pista própria, terá de lidar com uma exposição pública muito maior, enfrentar as tensões dentro do próprio Governo e lidar com as negociações à esquerda. Resta saber se terá peso político suficiente para o fazer. E isso depende muito mais de António Costa do que dele próprio.
Para já, os sinais de que António Costa não pretende mudar um milímetro na estratégia até aqui seguida estão aí. Na hora da despedida, Mário Centeno disse que partia com “uma quase certeza, daquelas certezas que podemos ter, [de] que os números vão continuar a estar certos porque o João Leão é o fator de continuidade num trajeto que Portugal merece”. António Costa corroborou as convicções da sua agora ex-estrela da companhia: “Há uma tranquila passagem de testemunho que enfatiza essa continuidade da política. Portugal não perde um ministro de Estado e das Finanças, Portugal muda o seu ministro de Estado e das Finanças. Sai Mário Centeno, entrará João Leão.”
Ora, se as manifestações de confiança em João Leão foram evidentes, o torcer de nariz à esquerda também. Bloco de Esquerda, PCP, Livre e CGTP, todos sem exceção, disseram que de nada valia mudar de protagonistas; era preciso de mudar de política.
Na memória dos parceiros de negociação do Governo, está a imagem de um secretário de Estado que funcionou com um bloqueio nas negociações orçamentais. “Se Mário Centeno dizia esfola, João Leão dizia mata”, chegou a confidenciar ao Expresso um dos interlocutores à esquerda nessas conversações com o Executivo socialista.
Mais uma vitória para Medina?
No Conselho de Ministros não se pode dizer que João Leão tenha feito muitos amigos. Tal como explica aqui o Expresso, Dentro da máquina do Estado, há quem diga que sabe empatar como ninguém a execução da despesa pública (o que gera tensões dentro da máquina do Governo), e quem o critique por protelar os projetos de investimento que permitiriam ao país acelerar a execução dos fundos comunitários.
Próximo de Fernando Medina, foi o presidente da Câmara de Lisboa quem lhe teceu o maior elogio. “Conheço-o bem e só o posso elogiar. É pessoa de grande qualidade humana, seríssimo, leal e jogador de equipa”, disse o autarca ao jornal “Observador”. Em 2009, quando Medina foi nomeado secretário de Estado da Indústria, escolheu João Leão como seu assessor. Descrito como “tímido, workaholic e tecnicamente forte”, Medina elogiou-o como alguém que “nunca procura os holofotes nem alimenta a vaidade própria, mas sim o serviço público”. A referência à "vaidade própria" não terá sido inocente - sem nunca o nomear, Mário Centeno era o visado.
A escolha de João Leão pode mexer com outros equilíbrios dentro do PS. No passado, era com João Leão que Pedro Nuno Santos, então secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, tinha alguns confrontos políticos. Agora, como ministro da Habitação e das Infraestruturas com muitos dossiês sensíveis por resolver (veja-se a TAP, o novo aeroporto ou a CP), Pedro Nuno Santos, que estará em rota de colisão com António Costa, tem agora de negociar diretamente e de igual para igual com João Leão, uma figura próxima de Fernando Medina, apontado como rival numa futura disputa pela liderança do PS. Correrá bem?
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