5 março 2020 0:01

Falta dinheiro no Hospital das Forças Armadas para “aquisição de medicamentos, produtos químicos e farmacêuticos”, “manutenção geral das instalações” e “contratação de serviços médicos especializados”
inácio rosa / lusa
Estabelecimento de saúde só tem metade dos médicos militares do quadro previsto e regista 25% de médicos como prestadores de serviços. Há irregularidades financeiras, a contabilidade não é fiável e muitas chefias não têm a formação adequada. TC pede ao ministro da Defesa para acelerar as reformas previstas.
5 março 2020 0:01
Falta de pessoal, chefias sem competências adequadas para as funções, desorganização na gestão, amadorismo na contabilidade, irregularidades em aquisições e milhões por contabilizar. O Tribunal de Contas fez uma auditoria arrasadora ao Hospital das Forças Armadas (HFAR) e concluiu que a administração do hospital “não tem exercido todas as competências de gestão e de controlo interno legalmente exigidas”.
Essa deficiência na gestão reflete-se, entre outros problemas detetados, em “indícios da prática de infrações financeiras” em processos de aquisição: “Em 2018 e 2019, os processos de aquisição de serviços de fornecimento de pessoal médico e de serviços de Tecnologias de Informação e Comunicação (...) apresentam diversas irregularidades”. Mais: o Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA) - que tem a tutela sobre o hospital militar e que em breve vai centralizar a gestão do pessoal que estava disperso pelos três ramos das Forças Armadas -, “não providenciou pela disponibilização de demonstrações financeiras fiáveis”.
A falta de fiabilidade das contas também terá a ver com outra debilidade identificada pelo Tribunal. O TC concluiu que o HFAR não dispõe de contabilidade organizada que permita traduzir de forma verdadeira e apropriada o resultado das suas operações e a sua situação financeira e patrimonial”. Os auditores consideram que a estrutura de custos do hospital “não reflete”, por exemplo, encargos no valor de pelo menos 18 milhões de euros (em apenas dois anos) e que sobreavaliou pelos menos 4,2 milhões de euros em medicamentos.
Vamos por partes. A estrutura de custos não contempla “encargos com o pessoal do quadro, militares cedidos pelos ramos das Forças Armadas e civis, que exerce funções no HFAR (cerca de €17 milhões, em 2017 e em 2018)”, pode ler-se no relatório. E o mesmo se passa com despesas em “alimentação, instalações, lavandaria e limpeza das partes comuns, totalizando mais de €1 milhão” nos mesmos dois anos considerados. Quanto a medicamentos e material de consumo clínico, “os registos refletem o montante total adquirido, e não o seu consumo efetivo, (encontrando-se sobreavaliados, em €2,5, €1,5 e €0,7 milhões em 2016, 2017 e 2018, respetivamente)”.
Além disto, “as dívidas a terceiros registadas contabilisticamente pelo HFAR encontram-se subvalorizadas”, conclui o TC. Se do ponto contabilístico há muitas falhas, os recursos humanos não merecem melhor avaliação.
25% do total de médicos são prestadores de serviços
A gestão do pessoal é mais uma das muitas deficiências identificadas no relatório do TC. “O acesso aos cargos de direção e chefia do HFAR não compreende qualquer requisito relacionado com formação específica em gestão em saúde e/ou experiência profissional adequada, estando ao invés primeiramente associado à hierarquia militar”. Esta é uma crítica, sabe o Expresso, feita internamente pelo pessoal civil, uma vez que os civis progridem na carreira através de provas médicas iguais para todos os profissionais do país, e os militares são promovidos por antiguidade segundo as regras da instituição. Ou seja, os médicos civis têm, em certos casos, mais formação do que os médicos militares que dirigem os serviços e os chefiam.
A falta de efetivos no HFAR, uma lacuna que o Expresso também já tinha noticiado - há médicos a pagar entre 100 mil euros e 350 mil euros ao Estado para poderem sair dos quadros -, é mais um problema registado pelo TC: “Em junho de 2019, o quadro de pessoal das unidades orgânicas do EMGFA responsáveis pelo HFAR encontrava-se preenchido em apenas 65%. O défice mais relevante era o relativo ao pessoal militar diretamente ao serviço do HFAR, preenchido com apenas 52% dos recursos previstos”.
Em fevereiro, o Expresso enviou perguntas ao CEMGFA e ao Ministério da Defesa sobre o preenchimento destes quadros, mas não obteve respostas concretas a estas questões. O resultado deste défice tem sido a contratação externa, com os custos inerentes: “Para desempenhar a sua missão, o HFAR tem recorrido a prestadores de serviços. Nos últimos anos, 25% do total de médicos são prestadores de serviços”, constata o relatório do Tribunal.
Do ponto de vista do serviço prestado, o relatório identifica várias situações em que a deficitária ADM (Assistência na Doença aos Militares) é sobrecarregada. Por exemplo, em vez de serem pagos pelo orçamento da Defesa, “existem cuidados de saúde diretamente exigidos pela atividade operacional que continuam a ser financiados pela ADM”, assim como as despesas em acidentes ou doenças com origem nas missões no estrangeiro.
Numa das suas recomendações, o Tribunal de Contas sugere ao ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, “que promova a conclusão da reforma do Sistema de Saúde Militar”, que está em curso, com a centralização da gestão dos recursos humanos no EMGFA e “revendo o modelo de governação do HFAR” - que deverá passar a ser gerido como um hospital civil.
O TC ainda repete recomendações feitas noutros relatórios, mas que não foram consideradas pelos governos anteriores, “no sentido de garantir que as receitas gerais previstas no Orçamento do Estado financiem todos os cuidados de saúde prestados aos militares no ativo e na reserva em efetividade de funções (...), desonerando os militares deste encargo que têm vindo a suportar através dos seus descontos para a ADM”.