Política

Comunidade Israelita acusa dirigente do CDS de não saber História

Abel Matos Santos, da fação mais conservadora do CDS, chamou “agiota de judeus” a Aristides Sousa Mendes, que durante o Holocausto nazi salvou 30 mil vidas. Em publicações nas redes sociais o centrista louva Salazar e a PIDE. Comunidade judaica lembra o campo da morte de Auschwitz-Birkenau, cuja libertação, há 75 anos, foi assinalada esta semana
Comunidade Israelita acusa dirigente do CDS de não saber História

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

O CDS “não pode estar conivente” com as declarações do seu dirigente Abel Matos Santos sobre Aristides Sousa Mendes, escreve esta quinta-feira em comunicado a Comunidade Israelita de Lisboa (CIL). Trata-se de uma reação às posições do membro da comissão executiva centrista e ex-candidato à liderança do partido, que nas redes sociais chamou “agiota de judeus” ao cônsul português em Bordéus, que salvou 30 mil vidas do Holocausto nazi.

É com “estupefação e surpresa” que a CIL reage às palavras de Matos Santos, que o Expresso noticiou na quarta-feira. O seu teor, considera esta organização judaica em Portugal, é “ofensivo à memória de um dos maiores diplomatas de Portugal, o cônsul Aristides de Sousa Mendes, Justo entre as Nações”. O comunicado é assinado pelo presidente da CIL, José Oulman Carp.

Durante a II Guerra Mundial, Sousa Mendes desobedeceu às ordens de Salazar para permitir a passagem de 30 mil judeus para Portugal, emitindo-lhes vistos e permitindo-lhes escapar aos campos de concentração e de extermínio. Afirmou tê-lo feito como “acto de consciência”.

Acabou despromovido pelo ditador, mas foi uma das primeiras pessoas reconhecidas como Justo Entre as Nações pelo Yad Vashem, organização de preservação da memória das vítimas da Shoah, com sede em Jerusalém. Assim considerado em 1966, é um de quatro portugueses distinguidos com o título, a par do também diplomata Carlos Sampayo Garrido (2010), do padre Joaquim Carreira (2014) e de José Brito-Mendes, de origem lusa mas enumerado como francês por ser emigrante.

Para os judeus de Lisboa, Matos Santos cometeu uma “ofensa a todos os judeus e não judeus que foram salvos da barbárie nazi durante a II Guerra Mundial”. A CIL exprime “o maior repúdio por declarações de caráter antissemita e racista, ainda existentes na sociedade portuguesa” e associa-se “a todos os que no país também condenaram tais atos, de entre a sociedade civil em geral e dos que ocupam cargos públicos”.

Libertação de Auschwitz foi há 75 anos

A semana em que as publicações do dirigente do CDS foram conhecidas é aziaga para o conteúdo das mesmas. “Num momento em que o mundo comemora o 75.º Aniversário do fim do Holocausto, corporizado na libertação do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, símbolo máximo do antissemitismo primário e estruturado, ler declarações semelhantes faz relembrar que há quem não conheça a história ou pretenda associar-se ao antissemitismo”, escreve a CIL.

Matos Santos, da ultraconservadora Tendência em Movimento (fação do CDS), publicou entre 2012 e 2015 elogios a Salazar (“Viva Salazar! E ele vive mesmo! Façam o que fizerem, mudem o nome da ponte que ele fez, apaguem nomes de ruas, mintam sobre ele, façam o que fizerem nunca conseguirão apagar a sua memória e o seu vasto legado! Foi sem dúvida alguma um dos maiores e melhores portugueses de sempre!”) e à PIDE (“uma das melhores polícias do mundo”, perguntando “Quais torturas?”) e críticas ao cônsul em Bordéus (“Porque será que defendem Sousa Mendes, que foi um agiota dos judeus?”).

As publicações estavam ativas à data da sua divulgação pelo Expresso, tendo Matos Santos afirmado ao jornal que estas tiveram “como tudo nas nossas vidas, o seu momento e o seu contexto”. Com o cuidado de proteger o novo presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, “totalmente alheio” aos seus escritos, Matos Santos criticou o Expresso por “expurgar frases desses textos e descontextualizá-las”, sem contudo explicar em que contexto as pretendeu.

O agora primeiro vice-presidente do CDS, Filipe Lobo d’Ávila, disse ao Expresso que “desconhece” as posições de Matos Santos, cujo pensamento é todavia “conhecido” do partido e da nova equipa que o chefia. “Esta direção é plural e inclui várias opiniões diferentes, mas a moção vencedora é clara. O que faz sentido para esta direção é falar do futuro”, sublinhou.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: pcordeiro@expresso.impresa.pt

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