Mais algumas promessas (não muitas)
O Governo assumiu compromissos. A maior parte vêm da legislatura anterior (mais habitação pública, casas para estudantes, redução de taxas moderadoras, mais transportes públicos, hospitais), da posse de sábado passado (salário mínimo e fecho das centrais a carvão) ou do programa de Governo (apoios a creches, penas acessórias no combate à corrupção).
Mas neste debate António Costa acrescentou um novo contrato de financiamento com as universidades (ainda sem detalhes). E Siza Vieira um banco de fomento (“finalmente”) nos primeiros 100 dias, ou a digitalização dos 25 serviços públicos mais usados. Não foi uma maré de promessas, até porque “para colher é preciso semear” - maneira que Costa escolheu para dizer que é preciso planear e manter as contas públicas sãs.
Esquerda: com avisos, sem palmas (e sem garras de fora)
Primeiro, António Costa mostrou o chicote: “Direita – do PSD ao Chega – só vence o PS com os votos de toda a esquerda”. Mas depois estendeu a cenoura: prometeu “o mesmo empenho” no diálogo à esquerda.
Do outro lado, a esquerda respondeu com avisos (“Onde antes havia promessas de cooperação parece haver um tom de desafio e ameaça. Cooperação não é submissão”, disse Catarina Martins). Mas depois deixou a mesma abertura: “Cá estará o BE para criar as pontes necessárias ao país e participar nos diálogos necessários”.
Do lado do PCP foi ligeiramente diferente - só um aviso para o tempo que pode mudar. Esse papel coube a João Oliveira: “As opções do Governo em matéria de dívida pública correspondem à casa de madeira da fábula dos três porquinhos e do lobo mau. Bastará um sopro mais forte dos especuladores-credores numa próxima ofensiva especulativa sobre o nosso país e lá se vai a obra toda ao ar novamente”. Costa prometeu que não, que não haverá recuos, só avanços.
A verdade é que, quando fala o Governo, a esquerda já não bate palmas. Mas também não mostra as garras.
O Orçamento já tem caderno de encargos.
E agora com negociações à vista de todos. Como explica a Rosa Pedroso Lima aqui, as principais zonas de fricção entre a esquerda e o Governo passam pelo Trabalho, Saúde, Ambiente, Energia, Administração Pública ou Segurança Social. Haverá aproximações, mas ainda poucas. Também é cedo: o documento só chegará a meio de Dezembro (e desta vez basta uma abstenção à esquerda para passar).
Quem tem casa pagará mais IRS
Uma velha reivindicação da esquerda entrou no cardápio do Governo: o englobamento de outros rendimentos no IRS - que é como quem diz, pôr todos os rendimentos de capital (investimento) na conta do Fisco. PCP e Bloco pedem que seja mesmo tudo, costa abriu a porta mas só parcialmente. E deu um exemplo: que tenha investimentos em habitação pode vir a pagar mais, isto se não aplicar em rendas baixas. Fica a dúvida: e investimentos em aplicações financeiras, por exemplo?
Costa reconheceu "algo inaceitável”
A saber, o tempo que demora a atribuir algumas pensões. Ficou a promessa de tentar resolver - mas também a justificação que às vezes demora porque é preciso cruzar dados com descontos feitos noutros países (o que é, obviamente, uma minoria dos casos). O que ficou sem resposta foi o pedido do Bloco para novos aumentos extra das pensões mais baixas.
A Lei da nacionalidade mudará (mas com cuidado)
O Bloco pede, o Livre pede, o PCP também. Costa disse que sim, mas “tem de haver um vínculo com o território", disse António Costa, para que não passe a haver em Portugal "uma escala para nacionalidade”. A ideia do Governo é “eliminar grande parte dos obstáculos” que há para os imigrantes que pretendem adquirir a nacionalidade portuguesa, nomeadamente para os filhos dos imigrantes que nascem em território português. Mas não mais do que isso (para não dar gás ao Chega?).
As portagens podem reduzir-se no interior
Foi quase no fim do debate, em resposta a pergunta do PCP: Siza Vieira disse que talvez as antigas Scut possam ter reduções de preços, “agora para os residentes”. Isto no interior do país. Mas foi um talvez, não uma certeza.
A ADSE virou tabu
O PSD e CDS usaram o relatório desta semana do Tribunal de Contas para dizer que o rei vai nu na ADSE, ou seja, que o sistema vai entrar no negativo em 2020. Os centristas anunciaram até um pedido formal para haver um estudo sobre o seu alargamento a todos os portugueses, para haver mais quem contribua (e usufrua). Mas António Costa nada respondeu. Haverá mudanças?
O Lítio abanou o ambiente
Foi o tema de crítica que uniu esquerda e direita: o contrato assinado com uma empresa de extração de lítio criada três dias antes. Costa ignorou o assunto, deixando-o para Matos Fernandes. E o ministro do Ambiente defendeu o negócio: o lítio será essencial no futuro, haverá estudo de impacto ambiental e “este processo é absolutamente claro”. Claro? Para Matos Fernandes sim: “Já agora antecipo”, disse, “os contratos do solar ganhos por grandes empresas mundiais foram assinadas por empresas criadas três dias antes. É assim que as coisas funcionam", disse o ministro. Mas o caso terá sequência: o PSD vai chamar João Galamba, secretário de Estado, ao Parlamento para lhe pedir explicações sobre o contrato que assinou. Pela temperatura deste debate, a esquerda não o deve defender.
E ainda há Tancos à espreita
Foi só o PSD que se lembrou, mas Fernando Negrão voltou ao tema da campanha: “Não vamos esquecer-nos de Tancos”, disse o ex-líder parlamentar do PSD, prometendo ser “vigilante”, mas “construtivo”.
Rui Rio terá um palco (mas não paz)
Quanto ao líder do PSD, voltou à Assembleia com ataque cerrado ao Governo grande, ao ministro desaparecido das Finanças (Centeno não falou) e também à polémica do Lítio. Mas António Costa não o poupou na resposta: acusou-o de fazer “estágio para comentador televisivo”, colocou-o como potencial “despromovido”. Serão três meses de transição, até às diretas. Depois de verá em que sentido vai a transição.
Ninguém deu bola a Ventura
O deputado do Chega fez perguntas ao primeiro-ministro, provocando até com uma referência ao julgamento de Sócrates. Mas Costa respondeu-lhe com o mesmo tom que responde a outros partidos, não valorizando a provocação. À tarde, Ventura subiu ao plenário - e fez uma intervenção dura, clamando contra uma “vergonha” que atribuiu à legalização de mais imigrantes ou pedindo penas duras para pedófilos. Mas ninguém, nem o PS nem os restantes partidos, lhe fizeram perguntas ou qualquer menção adicional. Ficou, portanto, a falar sozinho.
A guerra de Costa foi com o Liberal
O também novo deputado do Iniciativa Liberal fez um discurso igualmente duro - chegando a dizer que o PS prefere “manter um grupo de pobres desesperados à procura de ajuda”, com as suas políticas assistencialistas. Costa deu-lhe as boas-vindas, mas com um olho posto na bancada ao lado: “Finalmente o PSD tem alguém autenticamente liberal nesta AR”. Depois, foi desmontar a tese (que cresce à direita) de que Costa vai aumentar outra vez os impostos com a promessa de mais escalões no IRS. Não será assim, prometeu, apenas uma redução para a classe média.
O PAN recebeu um não
André Silva elogiou o recuo do governo no fecho das centrais a carvão, mas pediu outra promessa: que ficasse pelo caminho qualquer exploração de petróleo em zona económica portuguesa. Costa propôs uma moratória, mas negou a proibição: “O país não se pode dar ao luxo de prescindir dos seus recursos naturais. Mesmo após 2050 o país continuará ter de importar significativas quantidades de hidrocarboneto (autonomia energética).”