Novos partidos. Tiros em todas as direções, soundbites e tensão com o Iniciativa Liberal
Costa usou os liberais para atacar o PSD como liberais envergonhados
PEDRO NUNES
No primeiro debate em que os pequenos tiveram direito a falar, Costa escolheu Cotrim Figueiredo como adversário principal. Ventura, que atacou forte e lembrou Sócrates, ficou sem resposta. Joacine falou de imigração
André Ventura esforçou-se mas não conseguiu impor-se, no primeiro debate da legislatura - dedicado a analisar o programa do Governo -, como o pequeno grande adversário de António Costa. E não conseguiu porque o primeiro-ministro não quis: com Ventura ao ataque, a apostar em soundbites em temas tão diversos como a Saúde e a Justiça, Costa optou por moderar o tom, sem nunca entrar em discussão - sem lhe dar demasiada importância. Preferiu fazê-lo com João Cotrim Figueiredo, que representa o também estreante Iniciativa Liberal no Parlamento, mas também o usou para atacar o PSD.
O dia era de estreias. Se na sexta-feira os novos partidos pisaram pela primeira vez enquanto deputados os corredores do Parlamento, para uma primeira sessão em que não tiveram direito a intervir (os deputados únicos, sem grupo parlamentar, só podem falar nos debates mais relevantes), desta vez a expectativa rodeava as primeiras intervenções de André Ventura, do Chega!, João Cotrim Figueiredo, do Iniciativa Liberal, e Joacine Katar Moreira, do Livre. Os dois primeiros atacaram forte, com soundbites, para se destacarem e apontarem falhas ao programa. A terceira tinha mais pontos de convergência com o PS - e acabou por precisar do dobro do tempo para terminar a intervenção, dada a sua gaguez, uma questão que será discutida em conferência de líderes.
Costa não chegou a cumprimentar Ventura pela eleição
PEDRO NUNES
Ventura foi o primeiro dos pequenos a tomar a palavra para atacar o Executivo de Costa. E foi a todas: ironizou sobre o “excelente sinal” que é Portugal ter “um dos maiores Governos da Europa e do mundo”, chamou ao documento do Executivo “programa de entretenimento”, criticou a falta de respostas para a ADSE e a falta de medicamentos, usou palavras como “vergonha” e “vazio” com frequência. Fez referência a Sócrates - “um ex-primeiro-ministro está a ser ouvido por corrupção” - para acusar o PS de não propor “absolutamente nada” sobre o tema. E, pelo caminho, ainda pediu mais robustez para a segurança interna, com uma referência a meio para criticar as propostas para elevar a idade para assistir a touradas, uma crítica à progressividade no IRS e até uma palavra em defesa de Rui Rio (em quem diz não ver populismo).
Ora se o rol de críticas poderia servir de isco ao primeiro-ministro para responder a Ventura e torná-lo um adversário no Parlamento, Costa pareceu optar por fazer precisamente o contrário. A tudo respondeu em tom moderado, enumerando medidas para a Saúde ou para a Segurança e até dizendo contar com Ventura para medidas como as penas acessórias para os condenados por corrupção. Com o lembrete de que Portugal é um dos países mais seguros do mundo, chutou as críticas para canto e fechou uma resposta sem história.
Costa usou os liberais para atacar o PSD como liberais envergonhados
PEDRO NUNES
A seguir foi a vez de Cotrim Figueiredo, também empenhado em apontar falhas ao Governo - fê-lo sem “alegria”, porque essa foi-lhe sugada ao ler o documento, ironizou. Ali, só leu uma “enorme diferença entre o que o país precisa e o que o Governo falta”, sem “nada de novo”, sem “rasgo”, sem respostas para problemas na Saúde, na Educação ou na descapitalização do país por “preconceito ideológico”. Com frases preparadas - “o Governo só nomeou 13 pediatras mas nomeou 50 secretários de Estado”, “o Governo está mais empenhado em impedir que os seus camaradas não sejam condenados” do que em combater a corrupção - Costa foi acusado de tentar “manter o país amorfo” com um “grupo de pobres” que lhe garantem votos: “O PS não existe para mais do que estar no poder e nunca vai acabar com a pobreza que lhe permite chegar lá”, rematou.
Os ataques de Cotrim mereceram, agora sim, respostas contundentes de Costa. A primeira serviu de farpa ao PSD: é “muito bom” ter um liberal assumido no Parlamento, porque o primeiro-ministro se diz “cansado” dos que são “envergonhadamente liberais e se vão disfarçando de sociais-democratas”. De resto, as farpas foram devolvidas: Costa ficou “desiludido” por só ver críticas, e não propostas, do lado do Iniciativa Liberal e acabou com um ataque frontal a Cotrim, insinuando que por causa da visão que o deputado tem da pobreza espera que não “tome a iniciativa de repor o voto censitário”.
Joacine Katar Moreira demorou o dobro do tempo a colocar as questões ao primiro-ministro
PEDRO NUNES
Com o maior adversário dos pequenos identificado por Costa, Joacine Katar Moreira falou no final para agitar as bandeiras da defesa dos migrantes e das minorias, focando-se em primeiro lugar nas alterações da lei da nacionalidade. O Livre referiu-se ainda ao aumento do salário mínimo “absolutamente miserável” e a exigência de respostas para as alterações climáticas. Tudo temas em que não havia grande choque com o PS, como aliás Costa fez questão de sublinhar. Foi também a primeira vez que o Parlamento se viu confrontado com o novo dilema que terá para resolver: dada a gaguez de Joacine, a deputada levou o dobro do tempo (tinha direito a dois minutos e meio, demorou cinco) a terminar a sua intervenção - uma demora que também se registou no caso de outros partidos, como o PAN e o CDS. A Assembleia deverá dar tolerância à deputada, mas isso só ficará confirmado esta semana, em reunião da nova conferência de líderes.