26 outubro 2019 12:05
joao girao
Presidente usou a parábola das Bodas de Caná para pôr exigência a António Costa. Deixou-lhe elogios, mas também muitos avisos na posse do novo Governo: "Não há dinheiro para tudo e não terá tarefa fácil", para mais porque escolheu governar em minoria. Mas garantiu ao PM que não mudará de atitude, será "cooperante e leal". Foi assim:
26 outubro 2019 12:05
Depois de dar posse ao maior governo da história da democracia (70 governantes), Marcelo Rebelo de Sousa foi mais direto do que nunca nos avisos para a segunda legislatura de António Costa. No discurso do Palácio da Ajuda, uma hora depois de começar a cerimónia, cumpridas as muitas assinaturas, o Presidente foi direto ao ponto: Costa escolheu governar em minoria, sabe que a exigência será maior - e terá que cumprir com as expectativas.
Mas começou pelo elogio: nos últimos quatro anos, Costa cumpriu acima das expectativas.
"Há quatro anos tomou posse para uma legislatura", com acordos escritos "exigidos pelo anterior Presidente" que visavam assegurar a estabilidade. "Nestes quatro anos", disse Marcelo, Costa elegeu como missões primeiras o controlo défice, a estabilização do sistema financeiro, a redução do desemprego e o crescimento económico. "Fê-lo com resultados que claramente superaram as expetativas e apesar das muitas objeções internas e externas. Certo que beneficiando de uma conjuntura internacional” e, acrescentou o PR, do contributo que o Governo anterior deixou.
Marcelo lembrou os sobressaltos dos quatro anos passados, ("a solução logrou resistir aos sucessivos embates", dos fogos, a Tancos, passando pelos apelos crescentes em termos sociais, os novos movimentos sindicais e o "longuíssimo período pré eleitoral."
Porém, ficaram "questões essenciais por resolver cabalmente". E elencou-os: sistema político, reforçado combate à corrupção, maior transparência, durabilidade do crescimento, progresso na competitividade, maior equidade salarial. Mais "adicionais passos para uma justiça atempada", atenção redobrada aos estatuto das Forças Armadas, entre outras.
Marcelo aceita que as prioridades foram acertadas, porque geraram "confiança interna e externa". Voltou aos sucessos "em outras áreas", voltando a dividi-las entre as que recolheram "frutos do trabalho de executivos passados" (ambiente, exportações, turismo, transformação digital, Websummit) e as que foram mérito exclusivo do último Governo: "Medidas sociais para setores mais carenciados" ou os cargos obtidos para portugueses na ONU, Migrações e Eurogrupo.
Logo depois, a fasquia foi posta alta para os anos que se seguem:
"Sabe que não será fácil a tarefa que o espera", disse Marcelo, lembrando que os sinais externos não são favoráveis, desta vez. "A Europa e mundo são bem diferentes de 2015: mais imprevisíveis e complexos". Mas que também por razões internas: as "expetativas dos portugueses são muito superiores, porque decorrem de adiamentos, ou de novos patamares de necessidade depois de ultrapassada a crise mais aguda".
E eis que o Presidente elencou os novos desafios: "Envelhecimento acelerado, emergências ambientais, aprofundamento da revolução digital, novas formas de trabalho, maior coesão social, responder aos anseios dos mais jovens, mas também à angústia dos menos jovens que teimam em não desistir".
O problema, disse o Presidente, é que "não há recursos para tamanhas expetativas." O segredo, por isso, "residirá na escolha e na clareza das respostas que entender ser possível dar."
A outra exigência, para lá das escolhas claras, foi a da atitude: "Agir com humildade, com sobreposição do interesse nacional face aos particulares, com proximidade aos portugueses - que impeça sensação de afastamento".
Mas Marcelo lembrou António Costa das suas opções - e responsabilizou-o por elas: "Preferiu uma solução parcialmente nova [governar em minoria] para um quadro parlamentar também novo. Concebeu uma orgânica e uma equipa à sua medida. Em que caberá viabilização de orçamentos e medidas estruturais, em plena preparação da presidência da UE". Para o Presidente, o PM "conta com um reforço significativo dos votos expressos" e também "com a sua experiência de quatro anos".
O problema, lembrou o chefe de Estado, "é que muitos dos nosso concidadãos" estão mais exigentes. Esperam que se cumpra a "parábola das Bodas de Caná" em que "o segundo vinho era melhor do que o primeiro". Para perceber melhor o Presidente, é bom recordar a parábola em causa: é um episódio da Bíblia (do Evangelho de João), onde Jesus e seus discípulos são convidados para um casamento e, quando o vinho acaba, Jesus transforma água em vinho milagrosamente. É, portanto, o que Marcelo espera e Costa: um milagre.
Se a exigência será maior de todos, Marcelo deixou uma garantia ao primeiro-ministro: "Sabe que o PR não muda de postura com resultados de eleições autárquicas, europeias ou parlamentares." Marcelo não falou das presidenciais, onde ele próprio poderá ser reeleito, mas deixou-as implícitas, dizendo que a garantia se devia também a "reencontros que parecem prováveis". E consequentemente prometeu que será "solidário e cooperante", com a missão de garantir a estabilidade". Só isso? Não, também será sempre "um fusível de segurança do sistema de governo."