Afinal, o que é que a lei proíbe?
A atual lei prevê uma proibição que muitos - Governo incluído - consideram demasiado abrangente: os familiares de políticos (ascendentes e descentes em qualquer grau, e colaterais até segundo grau) não podem, através de empresas em que tenham uma percentagem de participação igual ou superior a 10%, celebrar contratos com o Estado e entidades públicas. Se o fizerem, a consequência será a demissão do político - e a nulidade desses contratos. Ou seja, segundo a lei - ou, como dizia esta quarta-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros, a sua “interpretação literal” -, casos como o do secretário de Estado da Proteção Civil, cujo filho tem uma empresa que celebrou contratos com o Estado, dão direito a demissão.
Então qual é a dúvida?
O problema no que toca à interpretação da lei é que esta simplesmente não é aplicada, ou pelo menos não costumam ser levantados problemas por órgãos de fiscalização. Se em 1993, quando foi criada, a legislação previa que estes impedimentos só se aplicassem quando os negócios fossem feitos dentro da área tutelada pelo político em causa, em 1995 foi alterada para passar a abranger qualquer contrato público. Ora essa norma é tão lata, argumenta o Governo, que não foi cumprida, nem há jurisprudência sobre o assunto.
A lei vai mudar?
Este é o segundo problema. Na altura em que este caso rebenta, a lei está em vias de mudar. Na Comissão da Transparência, houve acordo entre PS, PSD, BE e PCP - só o CDS ficou de fora - para voltar a alterar a norma, tornando-a menos restritiva. E essa lei acaba de ser, esta quarta-feira, publicada em Diário da República.
Qual é a novidade?
Há uma palavra que é usada na nova formulação e que faz toda a diferença: o impedimento passa a ser aplicado a empresas que sejam detidas “conjuntamente” pelo político e os seus familiares, e não apenas pelos familiares. Ora isto exclui à partida todos os problemas a registar em casos como o do secretário de Estado: foi o seu filho que celebrou contratos públicos através de uma empresa em que tem participação, mas o próprio governante não a tem. Ou seja, neste momento, o que a lei estabelece é que os titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos de âmbito nacional não podem, por si, em sociedades que giram ou em que tenham mais de 10% ou 50.000 euros de capital, participar em procedimentos de contratação pública. Isso também se aplica a empresas em cujo capital tenham “conjuntamente com o cônjuge, unido de facto, ascendente ou descendente em qualquer grau ou colaterais até ao segundo grau”, uma participação na mesma ordem. Da mesma forma, também não é permitido que o marido ou mulher do político em causa participe em contratos públicos com órgãos da área que tutela.
Há mais transparência?
Os deputados da Comissão de Transparência fizeram mais uma alteração neste sentido: com a nova lei, devem ser publicitados online os contratos públicos entre um órgão tutelado por um político e qualquer ascendente ou descendente seu, cônjuge ou pessoa que viva consigo em união de facto.
A partir de quando é que estas mudanças se aplicam?
Apesar de a nova lei já ter sido, esta quarta-feira, publicada em Diário da República, as alterações só entram em vigor no primeiro dia da próxima legislatura, ou seja, a seguir às eleições legislativas de outubro. Até lá, vigora o regime atual, bastante mais restritivo - e posto em causa pelo Governo.
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