1 janeiro 2019 22:21
Na mensagem de Ano Novo, Marcelo Rebelo de Sousa coloca-se na posição de almofada das frustrações dos portugueses que promete ouvir, como antídoto para populismos. Avisa a classe política, sindicatos e movimentos para os erros que podem cometer, potenciadores dos mesmos fenómenos. Faz um apelo veemente para 2019: "Votem!"
1 janeiro 2019 22:21
Na mensagem do Ano Novo que traz no calendário três eleições, o Presidente da República manteve a sua linha de dique assumido contra os populismos. Num discurso gravado, uma vez que está no Brasil na cerimónia de posse de Jair Bolsonaro - exemplo de uma realidade que quer evitar - pediu mais exigência para a classe política e para os candidatos, de modo a evitar sentimentos que podem alimentar os fenómenos que têm alastrado pelo mundo, como no Brasil. “Se quiserem ser candidatos analisem, com cuidado, o vosso percurso passado e assumam o compromisso de não desiludir os vossos eleitores”, apelou. Num ano marcado por casos como o das falsas presenças dos deputados, Marcelo Rebelo de Sousa foi mais longe, ao desejar “política e políticos mais confiáveis”.
“Podemos e devemos ter a ambição de dar mais credibilidade, mais transparência, mais verdade às nossas instituições políticas”, apelou - sem mencionar que uma comissão para a transparência marca passo há meses na Assembleia da República e divide internamente os maiores partidos. “Para que a confiança tenha razões acrescidas para se afirmar”, justificou. E insistiu numa ideia que anda a repetir com insistência: “Que não há ditadura, mesmo a mais sedutora, que substitua a democracia, mesmo a mais imperfeita.”
Marcelo como almofada de frustações
Mais portugueses a votar, uma economia "mais forte", uma sociedade "mais justa", foram estes alguns dos principais votos de Marcelo Rebelo de Sousa na tradicional mensagem de Ano Novo, transmitida esta terça-feira na televisão. O Presidente colocou-se no papel de interface entre portugueses e cidadãos, aliás como tem feito com intensidade nos últimos meses, o que prenuncia um 2019 em que não vai deixar de estar presente, como se estivesse em presidência aberta permanente (como o Expresso já escreveu): “Podem contar com o vosso Presidente da República para procurar que nenhum dos vossos contributos seja desperdiçado, nenhuma das vossas vozes seja ignorada, nenhum dos vossos gestos seja perdido. Porque Portugal precisa de todos nós”, disse na mensagem.
O Marcelo dos afetos posiciona-se, assim, também como o para-raios das frustrações dos portugueses - antes dos coletes amarelos irem para a rua, por exemplo, Marcelo quis ter um encontro com camionistas para os tentar demover. É uma linha de atuação que se está a acentuar, o que também aconteceu nos casos das "falhas do Estado", como em Pedrógão, Tancos ou nas indemnizações às vítimas de Borba.
Cuidado para não destruírem a democracia
"O que vos quero pedir hoje é simples, mas exigente", começou por dizer Marcelo Rebelo de Sousa, dirigindo-se aos eleitores, a quem pediu que "votem". "Não se demitam de um direito que é vosso, dando mais poder a outros do que aquele que devem ter. Debatam tudo, com liberdade, mas não criem feridas desnecessárias e complicadas de sarar. Chamem a atenção dos que querem ver eleitos para os vossos direitos e para as vossas escolhas políticas, pela opinião, mas respeitem sempre os outros, os que de vós discordam e os que podem sofrer as consequência dos vossos meios de luta". Em 2016, quando foi eleito, um dos primeiros objetivos de Rebelo de Sousa foi, exatamente, "descrispar" a sociedade portuguesa e a classe política depois de uma campanha dura e após a constituição da 'geringonça' por partidos que não tinha ganho as eleições.
O Presidente, que conhece bem a história portuguesa recente - viveu a ditadura por dentro, assim como a construção da democracia - voltou a colocar na agenda a questão dos populismos, ou melhor, os comportamentos da classe política que podem depois conduzir à ascensão de radicais: “Pensem como demorou tempo e foi custoso pôr de pé uma democracia e como é fácil destruí-la, com arrogâncias intoleráveis, com promessas impossíveis, com apelos sem realismo, com radicalismos temerários, com riscos indesejáveis”. A mensagem serve para todos: Governo, partidos da geringonça, direita, sindicatos (professores?) e movimentos sociais.
Governar e fazer oposição ou exigir com "bom senso"
No fundo, alertando para o estado em que “o mundo e a Europa se encontram”, Marcelo diz que o “bom senso é fundamental. O que não é incompatível com ambição”. É um apelo à moderação - que o primeiro-ministro, de resto, tentou provar na sua mensagem de Natal, apresentando-se mais humilde, responsável e sem tiques de arrogância.
Sobretudo ao Governo, apontou para a necessidade de ambicionar que a economia “não só se prepare para enfrentar qualquer crise que nos chegue, como queira aproximar-se das mais avançadas e dinâmicas da Europa, prosseguindo um caminho de convergência agora retomado.” Mas não só. É preciso olhar para os mais desfavorecidos, uma das suas linhas de atuação em Belém, que tem sido muito visível, por exemplo no caso dos sem-abrigo: “Podemos e devemos ter a ambição de ultrapassar a condenação de um de cada cinco portugueses à pobreza e a fatalidade de termos Portugais a ritmos diferentes, com horizontes muito desiguais”. Um dos motes de Marcelo é a “justiça social, combate à pobreza, correção das desigualdades. Que não há democracia que dure onde apenas alguns, poucos, concentrem tanto quanto todos os demais”, constatou. Mais um aviso para as condições em que o populismo pode germinar.
A campanha já começou: votem!
Depois de ter escrito um artigo no Jornal de Notícias, há uma semana, onde dizia que a campanha eleitoral já tinha começado, regressou à mesma ideia, ao apelar a “valores, princípios” e “saber de experiência feito” para “o ano eleitoral que nos espera e que em rigor já começou em 2018”. Para as eleições europeias, legislativas e regionais Marcelo insistiu: “Votem. Não se demitam de um direito que é vosso, dando mais poder a outros do que aquele que devem ter”.
“Chamem a atenção dos que querem ver eleitos para os vossos direitos e para as vossas escolhas políticas, pela opinião, pela manifestação, pela greve, mas respeitem sempre os outros, os que de vós discordam e os que podem sofrer as consequências dos vossos meios de luta.”
Marcelo começa o ano assim: com avisos a toda a classe política e a colocar-se no papel de "ouvidor" dos portugueses e válvula de escape de insatisfações. Resta saber qual vai ser o seu nível de intervenção no ano em que era suposto estar mais discreto.
Com Helena Bento