O que têm em comum Marcelo Rebelo de Sousa, Cavaco Silva, Jorge Sampaio e Fernando Santos? Se julga que Fernando Santos está na lista só para despistar, desengane-se; a pergunta é mesmo sobre os quatro. E a resposta é: o novo livro de Luís Marques Mendes. O comentador da SIC, ex-líder do PSD e ex-ministro lança esta quarta-feira o seu terceiro livro, “Afirmar Portugal no Mundo” (Matéria-Prima Edições). A apresentação da obra, na sede da Abreu Advogados, o escritório de advocacia a que Mendes está ligado, está a cargo do selecionador nacional. Marcelo, Cavaco e Sampaio estarão presentes através do testemunho que deixaram no livro, o atual Presidente da República no prefácio, os dois antecessores em posfácios.
No seu primeiro livro, publicado há dez anos, Mendes propunha ao país “Mudar de Vida”; agora escreve sobre “o desafio de unir os portugueses”. O pretexto é a história do lançamento do canal internacional da RTP, a que Mendes esteve diretamente ligado como ministro com a tutela da comunicação social no último governo de Cavaco Silva. Uma “saga iniciada em 1992”, como escreve Marcelo, considerando-a um “inestimável serviço prestado a Portugal!” (com ponto de exclamação e tudo).
Mas esta “espécie de biografia da RTP Internacional” é só o ponto de partida para outros voos políticos do antigo presidente social-democrata. Abre a Mendes a “oportunidade de reflectir sobre as nossas potencialidades, as nossas ambições e os nossos desafios”, e fazer a defesa do valor da unidade, do consenso e do compromisso, em alternativa ao atual estado de coisas, num “país politicamente muito crispado”. A coincidência não escapa à análise de quem leia o livro - se o atual líder do PSD, Rui Rio, é criticado por muitos (incluindo por Marques Mendes no seu espaço semanal na SIC) pela forma crispada como lidera o partido e pela incapacidade de lançar pontes para os seus críticos internos, Mendes não só escreve um livro sobre um projeto que foi capaz de juntar forças para projetar a imagem do país, como reúne em torno dessa obra três Presidentes e um selecionador nacional de futebol.
Que o título da obra seja exatamente igual ao título de um livro de Aníbal Cavaco Silva, pode ser só coincidência. Ou não - o livro de Cavaco foi editado em 1993, quando o então primeiro-ministro estava a meio do seu último mandato à frente do Governo, em contagem decrescente para mudar de vida e candidatar-se à Presidência da República. Quanto a Mendes, a especulação sobre uma eventual candidatura a Belém não é de hoje. E o discurso sobre a unidade dos portugueses soa mesmo a discurso de candidato presidencial...
Globalização, diáspora, lusofonia
Do projeto de lançamento da RTP-I, Marques Mendes retira ensinamentos sobre a possibilidade de Portugal se afirmar no mundo, mesmo perante os mais difíceis desafios da globalização, a força da lusofonia, as potencialidades da nossa diáspora - à qual só falta afirmar-se como uma força política -, mas também sobre a credibilidade externa do país. “A RTP Internacional foi possível em grande medida porque Portugal, no final da década de oitenta e princípio da década de noventa do século passado, tinha crescimentos económicos significativos, convergindo solidamente com a União Europeia. Temos de voltar a esses resultados”, escreve, defendendo que “os portugueses não perderam qualidades, quando muito o que deixaram foi de ter as políticas adequadas”.
Mendes retira igualmente desta experiência uma lição sobre a ação política “com ímpeto reformista, de forma sustentada e com credibilidade”. “Sem a coragem de reformar corremos o risco de parar e estagnar, porque a vida é dinâmica, o mundo é global e as condições do presente são distintas dos pressupostos do passado; sem uma cultura de sustentabilidade as novas gerações pagam uma factura pesada, uma vez que os recursos nunca são infinitos; sem credibilidade nem o país se afirma nem a nação se prestigia.”
A qualidade dos políticos
E há o ensinamento sobre a força da convergência política em torno de um objetivo. Ao contrário do que sucedeu em torno do projeto da RTP-I, Mendes frisa que “Portugal é, nos últimos anos, um país politicamente muito crispado. É fácil divergir, é difícil convergir”, constata. Apesar desta constatação, o ex-ministro dos governos de Cavaco Silva e de Durão Barroso considera que “na substância das políticas, a divergência é bem menor e bem mais reduzida” do que se poderia julgar. “A diferença”, diz, “está sobretudo na atitude, no comportamento, na forma, no ruído, na quantidade dos decibéis que inundam o discurso político. Ao contrário do que sucedia nos primórdios da democracia, as divergências doutrinais, programáticas ou ideológicas estão hoje fortemente atenuadas.”
Onde está o problema, a fonte do ruído e da dificuldade de entendimentos? “A razão é só uma – a qualidade dos protagonistas políticos. Nos primeiros anos da democracia, o país teve o melhor da sua sociedade a fazer vida política. A generalidade dos responsáveis políticos eram pessoas credíveis, prestigiados e competentes. Como tal, tinham inteligência bastante para compreender que a democracia é o regime da divergência e da convergência. Há tempos para divergir e tempos para convergir.” Hoje, “o paradigma mudou. A qualidade dos protagonistas políticos baixou extraordinariamente”, assegura Mendes.
Apesar da defesa de consensos, Mendes avisa que não é de “blocos centrais” que fala. Pelo contrário: casamentos entre os dois maiores partidos abrem espaço aos extremos e são pouco saudáveis para a democracia.
Recados para Costa
A ideia do atual comentador político é que são necessários entendimentos sobre “princípios estratégicos que o país precisa de favorecer: o princípio da estabilidade de algumas políticas estruturais; o princípio da perenidade e da continuidade do Estado e o princípio da confiança e da credibilidade, fundado na necessidade de melhorar a qualidade da nossa democracia”.
Se o elogio do ímpeto reformista parecia um recado a António Costa - cujo Governo Mendes acusa muitas vezes de se limitar a navegar à vista -, a “grande lição” que o autor retira desta revisitação ao projeto da RTP-I também parece uma carapuça à medida da cabeça do primeiro-ministro, tantas vezes elogiado pela sua habilidade política: “os grandes empreendimentos requerem visão estratégica e não apenas habilidade táctica. A primeira faz a diferença, deixa uma marca indelével e alavanca o prestígio de um país. A segunda alimenta a espuma dos dias, gera ruído mas não faz história.”