Passava cerca de uma hora desde o início do debate quinzenal quando o nome de Marcelo Rebelo de Sousa passou a fazer parte da discussão. Era o Bloco de Esquerda que fazia uso da palavra e defendia o levantamento do sigilo bancário, nomeadamente para depósitos acima dos 50 mil euros. E Costa respondia lembrando que o Governo já teve intenção de fazer isso mesmo, mas que foi travado por um veto de Marcelo.
O Presidente da República não perdeu tempo: mal tinha passado uma hora desde o fim do debate, quase em simultâneo com a reunião semanal com o primeiro-ministro, publicou uma nota no site da Presidência sobre este assunto. Marcelo quis "esclarecer dúvidas suscitadas na Assembleia da República, um ano e meio depois dos factos", e "relembrou" que vetou o diploma do Governo em setembro de 2016 "permitindo a troca automática de informação financeira [entre os bancos e a Autoridade Tributária] sobre depósitos bancários superiores a 50 mil euros, invocando como principal razão a situação particularmente grave vivida então pela banca portuguesa".
Com a publicação da nota, o Presidente dá a entender que o contexto do veto foi a situação grave da banca "então" vivida, ou seja, naquele momento. Com a mudança de contexto, o Presidente pode esrtar aberto a reavaliar a questão.
Durante o debate, António Costa chegou a pedir a "ajuda" do BE para convencer Marcelo a voltar ao tema do levantamento do sigilo bancário. Mas, como recorda a nota do Presidente, a razão principal invocada na altura já não se verifica: Marcelo falava, no texto que justificava o veto, da "situação particularmente grave vivida então pela banca portuguesa" e de um caso de "patente inoportunidade política", numa altura em que estava em curso "uma muito sensível consolidação do nosso sistema bancário". Ainda esta semana, em entrevista ao Público e à Renascença, o Presidente disse já terem sido "consideravelmente" ultrapassadas as suas preocupações com a banca.Um decreto que ia longe demais
Embora esta fosse apresentada como a principal razão para o veto, na época Marcelo colocava outros obstáculos à lei - que começou por se tratar de uma transposição das diretivas comunitárias para quem tivesse contas em países onde não reside, mas cujo âmbito seria alargado a portugueses sem contas fiscais no estrangeiro.
Além de levantar problemas por o decreto "ir mais longe" do que seria suposto de acordo com a regra europeia, Marcelo aludia também aos argumentos da Comissão Nacional de Proteção de Dados, que "questionara a conformidade do novo regime" e do uso de "meios excessivos" para sacrificar "direitos fundamentais", ou seja, controlando a informação de contas sobre as quais não recaíam suspeitas ou indícios de risco.
Para mais, o Presidente argumentava ainda que a alteração proposta pelo Governo não tinha sido objeto de suficiente "debate público". Por todas estas razões - mas sublinhando sobretudo a questão do timing, que neste momento já não se colocará - o chefe de Estado entendia então que a adoção de um novo regime para a banca seria "um fator negativo ou mesmo contraproducente".
No debate quinzenal desta quarta-feira, o BE prometeu trazer o tema do sigilo bancário num agendamento já para dia 17 de maio dedicado ao tema e desafiou os restantes partidos a trazerem propostas e o Governo a "acompanhar" o tema. O PSD pediu, na semana passada, que sejam revelados os nomes dos 50 maiores devedores à Caixa Geral de Depósitos, mas o banco invocou o sigilo bancário para não o fazer.
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