Quanto ganham os que nos governam

As formas de governo dos vários países são muito diferentes entre si e também nos salários as diferenças são grandes. Quanto levam para casa os primeiros-ministros, presidentes ou chanceleres?
As formas de governo dos vários países são muito diferentes entre si e também nos salários as diferenças são grandes. Quanto levam para casa os primeiros-ministros, presidentes ou chanceleres?
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Gerir um país é uma das tarefas mais desafiantes da vida política, mas é também um sonho de muitos ao alcance de poucos. Será que o fazem por dinheiro? No ano passado, António Costa abriu o jogo, mostrando que o objetivo de governar um país não é o de receber muito dinheiro. “Infelizmente para o primeiro-ministro, o ordenado do primeiro-ministro é muito inferior ao ordenado que existe na banca, mas eu não me queixo, porque escolhi estar aqui”, declarou.
Será que é mesmo assim ou que esta é apenas a realidade portuguesa? A riqueza de determinado país, a par com o custo médio de vida, é um dos fatores que poderia explicar a discrepância entre os salários auferidos por determinados políticos, mas a questão é muito mais abrangente do que isso. Estão em causa questões culturais e políticas, assim como a altura (e as condições democráticas) em que os ordenados dos políticos foram estipulados.
Olhar para uma tabela e ver, de forma ordenada, quem ganha mais e quem ganha menos permite obter várias pistas sobre a forma como os países se organizam — ou qual a importância que dão ao cargo —, mas a verdade pode estar escondida atrás destes números. A simples representação dos ordenados num ranking é apenas uma forma simplista de se perceber, à partida, quanto ganham os políticos de determinados países, mas também pode ser a mais injusta.
Há que ter em conta outros fatores para se entender o que está realmente em causa, e uma das formas de analisar o salário de um político que desempenhe funções de chefe de Governo — seja ele Presidente, primeiro-ministro ou chanceler — é cruzar o seu recibo de vencimento com o produto interno bruto (PIB) per capita e a paridade do poder de compra (PPC). A utilização da PPC, que tem em linha de conta as diferenças de rendimentos e do custo de vida entre determinados mercados, permite estabelecer novas ligações e perceber melhor o assunto. As desigualdades far-se-ão sentir mais nos casos em que um político de um país pobre recebe um salário similar ao governante de um país rico, aumentando o fosso salarial entre a classe política (aqui representada pelo chefe de Governo) e o eleitorado.
Apesar da importância destes dados, torna-se difícil ter uma noção real da situação em determinado país, uma vez que as desigualdades são apagadas quando apenas se usa uma média. Não é por isso que se deve esquecer a importância do PIB per capita e da paridade do poder de compra, que podem dar uma ajuda na hora de analisar os dados, mas estes não serão a bitola certa para perceber a realidade no seu todo. O Coeficiente de Gini, desenvolvido pelo italiano Corrado Gini e que é usado para medir a desigualdade social, pode ser uma das ferramentas que melhor retrato dá da realidade. Senão, vejamos.
A título de exemplo, Lee Hsien Loong aparece em primeiro lugar quando se fala apenas do valor do seu ordenado, mas tudo muda quando esse dado é cruzado com outros. Utilizando o Coeficiente de Gini (também apelidado de Índice de Gini), em que zero significa igualdade perfeita e um equivale a desigualdade perfeita, o primeiro-ministro de Singapura deixa de liderar a tabela. Os chefes de Governo da África do Sul, de Hong Kong e da Austrália passam à frente do congénere da Cidade-Estado insular do Sudeste Asiático.
Numa análise exaustiva aos salários dos chefes de Governo seria ainda necessário ver as ajudas de custo, que podem mudar por completo os vencimentos dos lugares cimeiros mas não são fáceis de aferir. No caso português, o processo é transparente, e é sabido qual o valor do ordenado do primeiro-ministro, assim como a quantia que tem para despesas. A lei fixa um vencimento de 75% do valor do ordenado do Presidente da República, ou seja, 4892,25 euros mensais, aos quais se somam as despesas de representação. Estas, que correspondem a 40% do vencimento (1956,90 euros por mês), não estão incluídas na infografia da página ao lado, onde são divulgados os salários de vários responsáveis governamentais à escala mundial, mas fazem a diferença.
A finalizar, há que ter em atenção as diferenças entre os regimes democráticos e os que não o são — assim como aqueles em que o chefe de Governo vê os seus poderes estenderem-se para lá do que seria expectável. Nestes, o salário de um Presidente pode não corresponder ao que realmente ganha, uma vez que a sua esfera de influência vai, não raras vezes, além da política. Os negócios entre responsáveis políticos no poder e grandes grupos económicos do seu país fazem com que figurem em listas em que nenhum deles gostaria de estar — e o Índice de Perceção de Corrupção é uma das listas mais interessantes para perceber a dimensão deste problema. Os resultados do último ano, divulgados em janeiro, estabelecem até uma relação entre a corrupção e a desigualdade social a nível mundial. Depois, há Presidentes milionários que tentam fazer política com o próprio ordenado.
Embora longe do salário auferido por Lee Hsien Loong, Donald Trump continua a ser um dos chefes de Governo mais bem pagos do mundo, mas decidiu colocar o seu ordenado ao serviço da política. O Presidente norte-americano gere os destinos do país mais poderoso do mundo, mas essa responsabilidade tem um custo alto no sistema presidencialista (e que vai muito além do seu salário base). Trump, que na campanha eleitoral disse não estar interessado em receber o salário presidencial, acabou por reconsiderar e receber os 400 mil dólares (339 mil euros) anuais a que tem direito, destinando-os depois a ações que o próprio considera de caridade. Numa Administração conhecida pelos cortes em áreas importantes para o país, como a educação ou a saúde, e que decidiu abandonar o Acordo de Paris — Trump considerou que o pacto climático prejudicava os interesses da economia e dos trabalhadores americanos —, foi exatamente a estes sectores que o dinheiro dos três primeiros trimestres deste ano foram entregues.
O National Park Service — agência que supervisiona os parques norte-americanos e que faz parte do Departamento do Interior, que sofrera um corte de 1,2 mil milhões de euros no plano orçamental de Trump — foi o primeiro a ser brindado com uma ‘oferta’ do Presidente, mas não foi o único. Este ano seguiu-se já o Departamento de Educação (cuja responsável está no centro de uma grande polémica pelas políticas que tem apresentado para o sector) e o Departamento de Saúde (com o intuito de combater a crise de dependência de opioides, que mata 175 pessoas por dia no país).
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