Ana Margarida Almeida, microbiologista: “Há o perigo de deixarmos de ter antibióticos que funcionem”
“O intestino influencia a forma como funciona o cérebro” e cada humano vive à medida dos micro-organismos que transporta, explica Ana Margarida Almeida, investigadora do IMM. Em entrevista ao podcast Futuro do Futuro, a cientista sublinha que os antibióticos podem ter um papel nefasto para a saúde quando tomados sem critério, mas também ajudam a criar bactérias resistentes na pecuária. Em contrapartida, já começam a ser estudados os primeiros medicamentos que recorrem a bactérias para alterar o comportamento. Oiça a entrevista completa no podcast O futuro do futuro
Durante a carreira feita entre Lisboa, Cork e Nova Iorque, não faltaram oportunidades a Ana Margarida Almeida para confirmar que as bactérias “são muito inteligentes” quando se trata de ganhar resistências às terapias humanas. A investigadora do Instituto de Medicina Molecular (IMM), que lidera o Laboratório Translacional do Microbioma na Saúde e na Doença, admite que essa capacidade de aprendizagem dos micro-organismos pode ameaçar a prazo a eficácia dos antibióticos.
“Há o perigo de, no futuro, deixarmos de ter antibióticos que funcionem para infeções fáceis de tratar”, lembra a cientista, apontando o dedo aos casos em que a toma de antibióticos, que são desenhados especificamente para eliminar bactérias, é feita sem critério, até para tratar gripes, que são causadas por vírus.
Mas essa é apenas uma das razões da perda de eficácia dos medicamentos e do aparecimentos das nefastas super bactérias. A microbiologista do IMM recorda que são os animais produzidos na pecuária que consomem 70% dos antibióticos produzidos na atualidade – e acabam por potenciar doenças nos humanos.
“Há estudos que mostram estirpes de bactérias resistentes que se desenvolvem em animais e passam para os humanos”, alerta Ana Margarida Almeida. Por fim, há uma terceira ameaça a ter em conta: o envio de antibióticos para as águas residuais aumenta riscos para a saúde e é também “um grave problema ambiental”.
O corpo humano conta com mais de 40 biliões de micro-organismos e todos de alguma forma competem ou cooperam. E é esse número que leva a cientista a lembrar que os micro-organismos são essenciais para a humanidade. “Nós somos as bactérias. Para cada célula humana, há 10 células bacterianas. E isto é fantástico”, diz.
As bactérias não são todas iguais: algumas espécies treinam o sistema imunitário na eliminação de células cancerígenas, enquanto outras podem ajudar as células doentes a proliferarem, recorda Ana Margarida Almeida.
Ainda terá de ser estudado o “cocktail” de micro-organismos mais indicado para manter a saúde de um humano, mas não é essa a única linha de investigação em curso.
Quando esteve a trabalhar em Cork, na Irlanda, Ana Margarida Almeida teve contacto com cientistas apostados em desenvolver medicamentos batizados de psicobióticos, porque usam o poder dos micro-organismos para produzirem efeitos no comportamento.
“O intestino influencia a forma como funciona o cérebro”, responde microbiologista Ana Margarida Almeida.
No primeiro dos dois desafios que costumam ser colocados aos entrevistados do podcast Futuro do Futuro, Ana Margarida Almeida decidiu dar a conhecer o som de um avião em fase de aterragem, em homenagem aos tempos de cientista que percorria o mundo em busca da mais recente descoberta.
No segundo desafio, que remete para escolha de uma imagem, a cientista do IMM optou por um quadro da artista portuguesa Joana Ricou, com a o título de “Our Self Portrait; the Human Microbi”.
"Our Self Portrait; The Human Microbi", de Joana Ricou
Tiago Pereira Santos
Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos.