Humor à Primeira Vista

“Houve aproveitamento político do cartoon do Passos Coelho para cascar na RTP, por parte de quem provavelmente quer acabar com ela”

“De que forma é que ao meter o Passos Coelho a sair de um caixão como um vampiro estou a gozar com familiares dele que morreram?”, questiona-se Tiago Albuquerque, a propósito do cartoon que gerou polémica durante a campanha eleitoral e acusações de “terrorismo emocional." No centenário do cartunista SAM, que o Museu Bordalo Pinheiro homenageia com a exposição "Não Ria. O humor é um assunto muito sério", tentamos perceber o que há nos cartoons que desperta uma exaltação especial. No Humor À Primeira Vista, Gustavo Carvalho recebe Tiago Albuquerque, autor do cartoon controverso de Passos Coelho, e Tiago Guerreiro, ilustrador e um dos responsáveis pela exposição sobre SAM

Há cem anos nascia Samuel Torres de Carvalho, conhecido por SAM. Cartunista português que marcou pelo humor, nos anos 70. António Pedro Vasconcelos, realizador que nos deixou recentemente, considera que nessa década falar de humor era falar de Herman, Miguel Esteves Cardoso e de SAM. O também escultor e artista plástico, fez cerca de 6 mil cartoons ao longo da vida, caracterizando-se pelo absurdo, entre cartoons com o cabeça de cartaz Guarda Ricardo a outras obras mais escondidas.

Desde 31 de janeiro que parte da obra de SAM pode ser vista na exposição “Não Ria. O humor é um assunto muito sério”, no Museu Bordalo Pinheiro, em Lisboa. A partir de 9 de abril e até 19 de maio pode ver a segunda parte da exposição.

Durante o Estado Novo, quando já colaborava com a comunicação social, foi várias vezes censurado. Na edição do Expresso, de 7 de Fevereiro de 1973, já prevendo a situação apresentou sete desenhos diferentes, todos foram recusados pelos censores. Nos 50 anos do 25 de abril, não é de um caso de censura que falamos, mas antes de reações exaltadas a cartoons, com acusações de “terrrorismo emocional”, “imbecilidade”, “inaceitável”, entre outras.

A RTP emitiu durante a campanha para as legislativas de 2024 um noticiário que terminava com “Cartoons da Campanha”. Cartoons neste caso, animados e até com banda sonora. A propósito do surgimento do antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho na campanha, o canal público emitiu um cartoon que mostrava Passos Coelho como Nosferatu, um vampiro, a reaparecer de dentro de um caixão. Alguns dias depois, um novo cartoon, com um novo filme. “O Padrinho” passa a ser “O Pedrinho”, com o ex-primeiro-ministro António Costa como Vito Corleone, apadrinhando Pedro Nuno Santos, como Michael Corleone, mafiosos italianos. Se no primeiro caso acusaram a RTP de entrar em campanha pela direita, apenas uns dias depois estava afinal em campanha pela esquerda.

Cartoon de Tiago Albuquerque para "Legislativas 2024 - Cartoons da Campanha" da RTP

O que é que há especificamente no cartoon que gera estas reações?
Tiago Albuquerque: Acho que a função do cartoon é precisamente essa. Como mexe com um assunto que normalmente está ligado a controvérsias, a debates, a diferentes opiniões - neste caso a política - é normal que um exemplo ou um desenho utilizado para chamar a atenção, criticar seja o que for, seja alvo de discussão e de polémica. Isso é super normal. E acho que quando isso acontece é porque realmente cumpriu a sua função. Os cartoons tocam um bocadinho na ferida. Há sempre pessoas que se identificam, que gostam, que riem, outras que choram, outras que se sentem ofendidas. E a ofensa hoje em dia está muito na moda, porque as redes sociais infelizmente alimentam-se do ódio. E em plena campanha política é normal que peguem em cartoons e façam a sua própria campanha.

Os teus dois cartoons que deram polémica são relacionados com filmes.
Tiago Albuquerque: O cartoon do vampiro, do Passos Coelho, que faz algum sentido porque ele andou afastado da política e de repente regressou. Eu até gosto do Nosferatu, para mim até foi um elogio. E até estou a dizer que o homem é eterno. Não morre. Cada um vê como quer. Sou muito pacífico, mas decidi arriscar um bocadinho mais. Quis fazer e achei que não estava a ofender ninguém, genuinamente. Nem sabia que a família dele tinha morrido. Não fazia ideia.

José Fernandes

Houve uma reação do comentador Sebastião Bugalho, no Twitter, que falava disso. “Um homem perdeu a mulher, o pai e o irmão em dois anos e a RTP fecha o jornal de almoço com isto, em campanha. Não há palavras. Não há.”
Tiago Albuquerque: Aproveitou-se.

Achas que é aproveitamento político?
Tiago Albuquerque: Não acho, tenho a certeza absoluta. Até ele próprio sabe disso. Porque ele tem visibilidade e aproveitou-se disso para cascar não só em mim (acho que só porque lhe apetece) mas para cascar na televisão pública. Porque provavelmente quer acabar com ela. E para defender o ex-líder do PSD, como é óbvio. Não há a mínima dúvida, é campanha política.

É uma interpretação, eu diria abusiva, pensar que nessa ilustração está de alguma forma relacionada com as perdas familiares que a pessoa teve.
Tiago Albuquerque: Eu sou uma pessoa terrível. Sou um cartunista que apontei uma arma carregada ao Passos Coelho através de um desenho. Não faz sentido
Num artigo do Observador, o colunista Sérgio Guerreiro escrevia "O cartoon da RTP foi terrorismo emocional e é o contribuinte que o paga." Quando é que percebeste que através dos teus desenhos conseguias ser um terrorista emocional?
Tiago Albuquerque: Quando a própria pessoa atingida também se quer pôr nessa posição. É um exagero e não faz sentido nenhum. Esta questão do terrorismo emocional acho que está ligada à tal situação da família. De que forma é que ao meter o Passos Coelho a sair de um caixão como um vampiro estou a gozar com os familiares dele que morreram? Não faço a mínima ideia. Ainda por cima estava lá a data do mandato dele. As pessoas pegam no que querem, é impressionante.
Tiago Pereira Santos

Gustavo Carvalho entrevista pessoas para quem a comédia é paixão e profissão. Oiça aqui mais episódios:

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: gcarvalho@impresa.pt

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