Humor à Primeira Vista

Russell Howard: “Se não trabalhares arduamente não vais chegar lá. Há imensos humoristas talentosos que são preguiçosos”

Russell Howard é um dos principais comediantes do Reino Unido, com vários espetáculos lançados na Netflix. É presença assídua na televisão britânica, escrevendo e apresentando “The Russell Howard Hour”, programa de humor sobre a atualidade britânica. Vai atuar pela primeira vez em Portugal dia 16 e 17 de agosto, no Teatro Villaret. Em conversa com Gustavo Carvalho, no podcast Humor À Primeira Vista, conta a história de uma atuação interrompida pelo de confinamento obrigatório, aborda o sucesso de Taskmaster e explica porque é que ser obcecado pela comédia é a sua forma favorita de navegar pela existência humana.

Quando vi o espetáculo e o documentário fiquei com a ideia de que és obcecado pela comédia. Achas que pode existir um ponto de demasiada obsessão, mesmo que adores o que fazes? A obsessão a mais pode intrometer-se no caminho para alcançarmos algo na comédia?
Não sei bem. A minha obsessão com a comédia é como se o universo estivesse constantemente a enviar-me pequenas ideias… É um bocado como se eu fosse um chef de cozinha e o mundo estivesse sempre a atirar-me sabores diferentes enquanto eu tento fazer o melhor bolo do mundo constantemente. É isso que a comédia é para mim. Adoro fazer bolos e atirá-los à cara das pessoas. Quanto a ser uma obsessão, simplesmente amo aquilo que faço. É parte de mim. Adoro fazer as pessoas rir, escrever piadas e tentar encontrar certos padrões na vida. Provavelmente há uma forma mais saudável de levar a nossa existência, mas esta é a minha favorita. Adoro fazer stand-up comedy. Talvez se eu me ajustasse a certas coisas conseguia apresentar um “game show” na televisão. Mas não seria eu. Eu sou um “stand-up comedian”.

Costumamos dizer que se uma pessoa for trabalhadora, tiver talento e sorte consegue atingir os seus objetivos. Tenho alguma dificuldade em acreditar nesta fórmula? A sensibilidade para perceber o que tem graça ou não pode vir do trabalho, da repetição, e não do talento. Achas que existe mesmo talento natural ou vem do trabalho árduo?
Para usar o exemplo de um compatriota teu: alguém como o Cristiano Ronaldo tem obviamente muito talento, ainda assim aposto que trabalha mais do que qualquer outra pessoa. O talento dissipa-se no trabalho árduo. Acho que precisas daquela pequena chama, mas no final de contas o trabalho árduo é apanhar os galhos e a madeira e aproximá-los da chama para fazeres fogo. Não interessa o quão talentoso és, se não trabalhares arduamente não vais chegar lá. Há imensos humoristas talentosos que são preguiçosos. Não escrevem texto novo, não vão atuar, não marcam atuações, e começam a regredir. Se vires comediantes como o Bill Burr, Jerry Seinfeld, Michelle Wolf, Dave Chappelle, John Mulaney, Daniel Kitson… O que eles têm em comum é que fazem espetáculo atrás de espetáculo. George Carlin, Richard Pryor, Bill Hicks... Não são só um ou dois “bits”. Todas estas pessoas são inacreditavelmente talentosas, mas também são inacreditavelmente consistentes e trabalhadoras. Eu costumo pensar que se os melhores de sempre trabalhavam arduamente, só pode ser esse o caminho. Mas, ao mesmo tempo, não é realmente trabalho árduo se tu amas o que fazes.

No “Lubricant” partilhas algumas histórias dos teus sobrinhos, memórias que têm um significado especial para ti por causa do riso: é o ponto em comum das histórias. Achas que o riso do público através de “stand-up comedy” consegue criar memórias tão poderosas como essas histórias com os teus sobrinhos?
Sim, mas eu acho que quando algo mágico acontece, um momento de loucura, os risos são completamente puros. Consegues perceber que o público reconhece que o que está a acontecer é fruto do momento, que estamos ali todos juntos, que eu nunca disse aquelas palavras antes. Quando o público vê um comediante a fazer isso é eletrizante. É a prova de que a comédia acontece. Acho que já todos vivemos esses momentos em que um comediante consegue sacar algo belo, engraçado e único. Acho que isso é o mais próximo a que chegamos dos momentos em que estamos com os nossos amigos perdidos de tanto rir. É uma droga muito muito forte. Acho que a “stand-up comedy” consegue definitivamente alcançar esses momentos poderosos. Já tive vários momentos desses, muito especiais, enquanto assistia a atuações de outros comediantes.

Oiça a versão em Inglês:

Gustavo Carvalho faz perguntas sobre comédia. O convidado responde. Sorriem… é humor à primeira vista. Oiça aqui mais episódios:

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: gcarvalho@impresa.pt

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