Henrique Dias é guionista, argumentista e um dos criadores de "Pôr do Sol", a sátira da RTP às novelas portuguesas que criou uma legião de fãs e chegou até à Netflix.
Tu sabias que o público ia achar graça a "Pôr do Sol"?
Disse isto ao Rui Melo e ao Manuel Pureza várias vezes, que eles estavam com dúvidas. Não tinha a certeza de que ia ser um sucesso, isso nunca ninguém tem. Mas tinha a certeza, e disse-lhes várias vezes, que o que estávamos a fazer ia mudar um bocadinho o paradigma das coisas dos últimos tempos. Não é o paradigma do humor em Portugal, não é isso. Mas é uma coisa muito diferente do que se tem feito no humor em Portugal. E é uma coisa relevante. "Isto vai ter impacto." Isso sabia. Agora, que ia ser um sucesso, não fazia a mínima ideia. Quantas vezes é que estive em projetos em que achava, “isto vai ser um sucesso, é certinho”, e aquilo não foi nada.
Esse credo dos atores liga-se ao tipo de humor que é o nonsense. Há pessoas que apanham e outras que não.
Isso é claramente verdade. Nós estávamos a gozar com códigos de novela. E quando os atores diziam, "as pessoas não vão perceber isto", pensavam que aquilo eram coisas do meio, esquecendo-se eles (e eu, e todos) que as novelas hoje em dia são uma espécie de património deste país.
Nacional, sim. Nós exportamos algumas.
Pelo bem ou pelo mal, todos nós conhecemos os códigos das novelas. Mesmo malta que nunca viu novelas conhece, tem ideia, sabe o que são gémeas, sabe os clichês todos. Essa parte foi ultrapassada. De há uns anos para cá as pessoas (os atores, os diretores de canal, que é o mais importante aqui) sempre tiveram esta ideia de que "o nonsense não, as pessoas não vão apanhar. Isso é um humor de certa maneira elitista." Esquecendo-nos nós que o Raul Solnado fazia nonsense.
Não desfazendo de todos os projetos em que já participaste, "Pôr do Sol" é o projeto de que mais te orgulhas? É o pico da tua carreira?
Não gosto muito de fazer esse número. Acho sempre que o próximo vai ser o melhor. No momento em que dizes, “isto é o melhor que fiz”.
Mas até agora.
Até agora, vou dizer-te, o sketch que fiz para o Herman Enciclopédia orgulha-me muito, o “Onde é que estavas no 25 de Abril?”. O "Telerural" orgulha-me muito. O facto de ter começado o "Levanta-te e Ri", que era eu, o João Quadros e o Eduardo Madeira. Mais tarde, uma coisa que fiz em teatro, que foi a "Avenida Q", um musical, também me marcou muito. E agora o “Pôr do Sol”, claramente.
Não conseguiste escolher um, eu percebo.
Não, destes não consigo. Obviamente que estou no momento "Pôr do Sol". E estou a vivê-lo intensamente. Mas tens de perceber que para alguém que começou a escrever aos vinte e tal dizer, "este é que é o projeto", é difícil, porque já escreveste muita coisa. Agora, este foi especial? Foi completamente especial.
Gustavo Carvalho faz perguntas sobre comédia. O convidado responde. Sorriem… é humor à primeira vista. Oiça aqui mais episódios:
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