Humor à Primeira Vista

Nuno Markl: “A inteligência e a estupidez, quando andam de mãos dadas, têm resultados absolutamente fascinantes”

O humorista, radialista e apresentador Nuno Markl fala sobre o seu novo projeto televisivo no ano em que “O Homem Que Mordeu o Cão” faz 25 anos. Oiça o podcast Humor à Primeira Vista

Depois de projetos televisivos como a série “1986” ou “Os Contemporâneos”, “Taskmaster“ é a sua nova aventura, agora ao lado do companheiro das manhãs da Rádio Comercial, Vasco Palmeirim. Juntos vão dar vida à versão portuguesa do programa britânico que Markl considera ser “território sagrado”. No ano em que “O Homem Que Mordeu o Cão” completa 25 anos, o humorista diz estar também a planear uma celebração “difícil de concretizar” e não descarta um regresso aos palcos de “Uma Nêspera No Cu” e, quem sabe, talvez desta vez possa envolver gelo e patins.

O “Taskmaster” estreia dia 19 de março. Já sabemos que os concorrentes vão ser o Gilmário Vemba, a Inês Aires Pereira, a Jéssica Athayde e o Toy, sendo que em cada episódio há um convidado diferente. O programa original foi criado e é coapresentado pelo humorista britânico Alex Horne. Tudo começou no festival Fringe, em Edimburgo. Ele enviava mensalmente desafios de todo o género a vinte pessoas, sendo a maioria comediantes, e durante o festival fazia um espetáculo para revelar os vencedores.

Era um daqueles conceitos que desde a primeira hora pedia televisão. Quem me abriu os olhos para o Taskmaster, na verdade, foi o Vasco Palmeirim. Já há anos. Ele disse-me que adorava que isto fosse feito cá e que devíamos ser os dois a apresentar. Na altura ainda nem tínhamos bem definido sequer quem é que poderia fazer de Taskmaster e de assistente. Mas comecei a ver o programa e fiquei absolutamente fascinado. O que se passa é uma estranha feitiçaria que eu não consigo bem processar como é que funciona, mas é ótimo. Consegue ser um misto de inteligente e criativo com a maior balda e a maior estupidez possível. O que prova – e isto é algo em que acredito muito – que a inteligência e a estupidez, quando andam de mãos dadas, têm resultados absolutamente fascinantes. E o que tu vês ali, nas provas criadas pelo Alex Horne, é que estão nessa fina linha. São coisas que tu pensas: “Meu deus, como é que esta cabeça se lembrou disto?!” Algumas são muito simples e minimalistas. Mas mesmo essas, como por exemplo a de comer o máximo de melancia num minuto, pensas que é um disparate, mas ao mesmo tempo é genial.

Um desses primeiros vinte participantes era um crítico de humor, o Bruce Dessau. Ele escreveu um texto sobre essa experiência onde diz que aprendeu mais sobre comédia ao participar no Taskmaster e a ver os outros participantes a resolver os desafios, do que nos vintes anos em que escreveu sobre comédia. Ele realça dois pontos: o quão instintivamente criativos são os comediantes e o quão competitivos são, muitas vezes para tentar ter a melhor piada. O exemplo máximo do Taskmaster é este caos de fazer a comédia pela comédia instintivamente…

É verdade. No fundo, o que o Alex Horne faz sobre este conceito é tornar cada prova um bombom. É uma espécie de tela em branco que ele dá aos comediantes. Há um visitante do meu Instagram que me anda a chatear um bocado a dizer que é só estupidez. Pronto, okay, ele está a basear-se num minuto que deve ter visto do Toy a comer uma melancia. Que eu acho que não é estupidez, é simplesmente sublime. As pessoas podem achar que é estupidez, e às vezes é estupidez. Mas eu acho é que as pessoas não podem ter fobia da estupidez. Há vários tipos, e a estupidez do Taskmaster é tão criativa e delirante. E tão infantil ao mesmo tempo – no bom sentido. De certa maneira eu acho que os participantes sentiram que ali tinham uma espécie de quarto de brinquedos gigante.

Mencionaste há uns tempos que procuraste ajuda na terapia, porque a linha que separa a personagem muito autodepreciativa do teu humor e a pessoa real estava muito ténue. No podcast “A Beleza das Pequenas Coisas”, em 2017, disseste que tinhas receio de que se ficasses mais positivo, mais bem resolvido, deixavas de ter graça de alguma forma. Achas que esse pensamento retardou teres procurado ajuda?

Sem dúvida que sim. Retardou mesmo. Porque eu sempre achei que a comédia era uma terapia em si. Tive genuinamente esse terror, do tipo: “Eu posso olhar só para o lado belo da vida, começar já a fazer terapia e a resolver uma data de questões que tenho aqui dentro. Mas e se depois eu deixo de ser isto que aqui está?” Construí uma carreira e uma vida em cima das minhas desgraças. Que eu faço não por uma questão de as expor, mas porque percebi que são as desgraças de muita gente que ouve. Há muita identificação. E acho que isso é das melhores coisas que pode acontecer em comédia: criar essa empatia com quem está a ver ou a ouvir. Mas sim, e sinto que foi um bocado prejudicial eu ter deixado a coisa andar, até ao ponto em que pensei que estava no fosso.

Por achares que a comédia era terapia acreditavas que resolvias o problema a fazer o que sempre fazias: “Eu transformo esta situação menos positiva em comédia e fica resolvido.” A comédia então não é terapia?

É até certo ponto, mas se calhar se a coisa não se resolve tens mesmo de procurar alguém que te ajude […] Imagina, eu tinha um problema qualquer e levava-o à rádio ou dizia-o em palco, onde quer que seja. O facto de o deitar cá para fora e das pessoas se rirem dele e haver eventualmente alguém que diz: “Epá, eu passo pelo mesmo”, fazia-me sair a pensar que aquilo resultou. Mas há qualquer coisa que não fica resolvida na verdade.

Achas que pode ser um bocado como a ideia de que o riso não é necessariamente felicidade, mas durante uns segundos parece mesmo? A comédia durante uns momentos é uma dose de terapia, mas é mesmo preciso a terapia em si, às vezes.

É mesmo. Houve uma coisa que me espantou muito: continuava a fazer bem o meu trabalho. Podia estar de rastos. Chegava à rádio, abria-se o microfone, fazia a coisa e ninguém se apercebia. Quando saía ficava outra vez de rastos. Isso só alimentava mais a minha tristeza. Eu achava que era só isso, que não tinha mais nada para dar às pessoas.

Gustavo Carvalho faz perguntas sobre comédia. O convidado responde. Sorriem… é humor à primeira vista. Ouça aqui outros episódios:

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: gcarvalho@impresa.pt

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