David Cristina: “Os humoristas são incapazes de ter uma emoção sem estar constantemente a analisar o que se passa”
Já fez stand-up comedy em países como a China, Islândia, Estados Unidos da América, Inglaterra e também Portugal. Em entrevista ao podcast Humor à Primeira Vista fala sobre Separados de Fresco e o seu novo projeto a solo
David Cristina é biólogo de formação e humorista por vocação. Após o recente sucesso do podcast “Separados de Fresco”, há quem diga que é o divorciado mais famoso do país, mas já não é sobre isso que nos quer falar. No segundo espetáculo a solo da carreira vai explorar, entre outros temas, algumas das suas neuroses. É com certeza um “Animal de Palco”, resta saber qual.
Porque é que decidiste fazer agora o “Animal de Palco”, sendo que já passaram cerca de sete anos desde o teu primeiro espetáculo a solo?
É que o primeiro correu tão bem (risos), que eu decidi que não podia esperar nem mais um dia do que sete anos. Isto aconteceu no antigo Lisboa Comedy Club, pediram-me ideias para espetáculos porque tinham noites em aberto. Então eu decidi fazer o “Conta-me Tudo”, um espetáculo de storytelling que inicialmente era para ser só com comediantes, mas acabou por ser para toda a gente. E até vamos abrir mais espetáculos do “Conta-me Tudo” este ano. Provavelmente o primeiro espetáculo vai ser em março, e vamos fazer em abril e maio também. E o meu primeiro solo, o “Já que estás de pé”, surgiu também nesse contexto. Por eu estar a atuar lá todas as semanas já tinha uma hora de material fácil. Naquela altura não havia muita gente a fazer espetáculos de uma hora, acho que o João Pinto foi o primeiro e depois fui eu. Gostei muito de fazer, mas na altura não estava a chamar muito público. E também me apercebi no final de que fazer uma hora é mais do que só fazer uma hora de material. Tem de ter um arco, uma lógica, uma história que estás ali a contar.
E esse não tinha?
Sinto que não. Falei de uma série de coisas que queria falar, mas não tinha uma lógica que unia tudo.
Este novo já tem?
Sim, este já tem mais. Quer dizer, espero eu, vamos ver, ainda estou a escrevê-lo. Mais do que escrever estou a organizar, tenho um ou dois bits que ainda estou a explorar. Este tem uma lógica, o próprio título, “Animal de Palco”, tem que ver com o espetáculo em si.
O teu recente divórcio, que abordaste no podcast “Separados de Fresco”, será um dos temas do espetáculo?
Vou falar muito pouco do divórcio, porque já falei tanto sobre isso. Já fiz tanto stand-up sobre isso nos episódios ao vivo do “Separados de Fresco” que só vou falar um bocadinho. Este espetáculo é muito mais sobre mim, as pessoas não me conhecem. É sobre as minhas neuroses, o meu ponto de vista sobre o mundo, tudo o que há de errado comigo, a minha relação com o palco desde há muitos anos, daí o nome “Animal de Palco”. Não digo é que animal é, pode ser um leão, mas também pode ser um hamster.
Associa-se muito a neurose aos comediantes. Queres de alguma forma desmistificar isso?
Ainda bem que falas nisso, li no ano passado um livro muito interessante, escrito por académicos – psicólogos e sociólogos – que analisava esta dicotomia: “Será que todos os comediantes têm de ser neuróticos, ou tristes, ou infelizes, ou ter uma visão negra do mundo para serem bons comediantes?” A conclusão a que o livro chega é que não. Fizeram o perfil de vários comediantes, nomeadamente o George Carlin, que é um tipo cujo material é muito pesado, negativo, pessimista até, mas ele na vida pessoal era um tipo incrivelmente otimista, feliz, bem casado e bem resolvido. Por isso, não é necessariamente esse o caso. Agora, a verdade é que os comediantes são muito analíticos. Parte do nosso trabalho é estar sempre a ver coisas que as pessoas normalmente não veem. Isso às tantas torna-se patológico. Somos incapazes de ter uma conversa sem estar a analisar; somos incapazes de ter uma emoção humana, uma relação humana, sem estarmos constantemente a analisar o que se está a passar. Parece que não estamos a viver as coisas, estamos a vê-las. E isso inevitavelmente cria aqui umas estruturas mentais que não são muito dadas ao otimismo. São dadas mais ao pessimismo e às neuroses.
Gustavo Carvalho faz perguntas sobre comédia. O convidado responde. Sorriem… é humor à primeira vista.