Leia um excerto da entrevista que pode ouvir no podcast:
Ricardo Araújo Pereira sobre Demetri Martin: “uma espécie de filósofo que não sabe exatamente o que analisar”
Nota: O primeiro episódio de Humor À Primeira Vista foi gravado no dia 12 de outubro de 2018 no estúdio da ESCS FM
No primeiríssimo episódio do Humor À Primeira Vista temos Ricardo Araújo Pereira. Escritor, comediante, benfiquista… não sei se é bem esta a ordem que prefere.
Não, como é óbvio a ordem correta seria outra. Sobre escritor, não sei… eu permito que as pessoas o digam, as pessoas chamam-me o que quiserem. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, eles usam escritor para qualquer coisa. Pode escrever o guião de uma revista pornográfica ou ser o Philip Roth e é sempre escritor. Nós, cá em Portugal, usamos a palavra escritor para gente do [António] Lobo Antunes para cima. Portanto, talvez não seja bem aplicado a mim.
Neste primeiro programa vamos falar sobre Demetri Martin. O Ricardo até já chegou a referir que este é mais ou menos o único comediante desta geração que acompanha…
Não, há mais! Por acaso, em termos de geração não sei bem como é, mas, por exemplo, há um tipo chamado Bo Burnham, acho que é ainda mais novo.
Sim, Demetri Martin tem a sua idade, Bo Burnham nasceu em 1990.
Lá está, é claramente de outra geração. Mas acompanho também o Dave Chappelle, no outro dia fui ver o Chris Rock a Londres.
O estilo de Demetri Martin é de piadas curtas – as one liners. Lembra-se de alguma?
Epá, boa pergunta. Ele tem um livro que se chama This is a book by Demetri Martin.
Ele lançou um livro, como é que eu não encontrei isto!? Ah, é um livro com desenhos?
Também tem desenhos, sim. Ele usa muito uns desenhos simples e nesse livro fica bem claro essa questão da concisão e, sobretudo, o modo como ele com três ou quatro palavras consegue fazer uma piada. É isso que me agrada basicamente na comédia em geral: ele é uma espécie de filósofo que não sabe exatamente o que analisar.
É a filosofia de minudências, como o Ricardo refere no seu livro “A doença, o sofrimento e a morte entram num bar”.
Exatamente, muitas vezes é isso. É construir uma teoria, é ter a atenção durante muito tempo numa coisa que não interessa assim tanto. Isso tem vantagens: primeiro, uma vantagem humorística óbvia; segundo, desde a Antiguidade Clássica que as pessoas se dedicam muito a pensar no que é o bem, a amizade, a justiça, mas existem territórios inexplorados, porque as pessoas não acham que uma coisa infinitamente pequena mereça uma análise – e essa é a palavra. Eles têm uma capacidade analítica (na minha opinião, a parte mais sedutora) de não só se debruçar sobre coisas pequenas, mas também para ver aquilo que, estando à frente de toda a gente, normalmente as pessoas não captam. Muitas vezes acaba por ser um tipo de raciocínio irrepreensivelmente lógico, apesar de ser completamente absurdo – e isso é uma proeza interessante.
O Demetri Martin usa, por vezes, guitarra e harmónica no seu stand-up. Num vídeo da Rádio Comercial reparei que o Ricardo tocou um pouco de guitarra. Sabe mesmo tocar?
Quando era adolescente todos os gajos que sabiam tocar guitarra sacavam imensas miúdas, então comprei uma guitarra. Na altura não havia internet, mas arranjei umas folhas que explicavam onde é que se punham os dedos para fazer os acordes. É preciso praticar, porque a dificuldade é passar de um acorde para outro, sobretudo acordes com barras, por exemplo, o Fá e o Si. Eu nunca consegui acertar como deve ser nesses, é difícil e fica-se com as falangetas todas cheias de caules.
Mas ainda toca?
Tenho lá uma guitarra, as miúdas às vezes gostam de cantar e eu arranjo maneira de ver na internet os acordes. Elas cantam e eu toco… muito mal.
O Ricardo costuma dizer que é preguiçoso. Como é que possível ser preguiçoso e estar em tantos projetos ao mesmo tempo?
Com muito sacrifício. A partir de janeiro vai haver uma coisa na TVI (hoje sabe-se que é o “Gente que não sabe estar”), a Rádio Comercial, a Folha de São Paulo, a Visão e o Governo Sombra. Eu estou a apanhar as pessoas, através da imprensa, cá e no hemisfério sul, na televisão generalista, na televisão por cabo e na rádio.
Falta um canal de YouTube.
Falta a internet e se calhar ir tocar à campainha a casa das pessoas: “Triiiim. Bom dia, tenho aqui umas coisas para lhe dizer sobre isto de Tancos. Posso entrar só para conversarmos um bocado?” Ao estilo de testemunha de Jeová.