Cada uma das nossas existências se parece com um extenso atlas de cifras que nos recontam
Que a racionalidade se expressa no cálculo, na medida ou na quantificação é uma daquelas verdades que, de tão basilares, se tornam triviais. Como a daquela máxima, atribuída a Pitágoras, que diz que “todas as coisas são números”. E são. Por isso, cada uma das nossas existências se parece com um extenso atlas de cifras que nos recontam: milhares e milhares de números que se alistam, reconhecidos e impercetíveis, variáveis e fixos, monumentais ou quase de bagatela, mas nem por isso com menor capacidade de aferir a forma que a vida tem. Fernando Pessoa, pela mão heterónima de Caeiro, explicava por que razão se considerava fácil de definir: “Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,/ não há nada mais simples./ Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.” Mas mesmo no radical exercício de depuração numérica que o poeta propõe, a presença de um número torna “mais simples” coisas tão complexas como a morte e o nascimento. É verdade, podemos perder quase todos os números, mas nunca os conseguimos perder a todos. Por uma razão básica: precisamos deles.
Mas a história não termina aqui. Penso no livro que o historiador norte-americano Jerry Z. Muller escreveu com o título provocador “A Tirania das Métricas” (2018), chamando a atenção para um dos tiques absurdos da nossa atualidade. O afã de quantificar o desempenho humano predomina hoje nas organizações, de A a Z. A divulgação desse tipo de resultados rodeia-se de um alarido tal, como se deles dependesse, em exclusivo, a garantia de credibilidade dos diversos percursos. A isso soma-se ainda a decisão que desses números dependa a distribuição dos méritos, rankings e recompensas. As instituições sociais passaram, assim, a assemelhar-se a pequenas sucursais do serviço de estatística, infatigáveis usinas de gráficos que, a um certo ponto, encerram em si a sua própria finalidade. Como se o mero facto de expressar em números um parâmetro fosse suficiente para fazê-lo científico, fiável e transparente, e a quantidade fosse o indicador preponderante de qualquer política da qualidade. Em especial nas escolas esta estandardização tem produzido custos que é impossível não ver: um estreitamento dos programas e dos objetivos, com uma interminável burocracia de formalismos impostos, reduzindo a liberdade do espaço de aprendizagem, de conivência e inovação.
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