Reconhecer é antes de tudo identificar: tenho que saber quem é o outro e quem sou eu próprio; tenho de ouvir melhor, aprender a ver em profundidade
A verdade é que existem dimensões da nossa existência que não são explicáveis, que não pertencem à ordem da razão lógica. Através de um silogismo ou do conhecimento matemático não chegaremos a apreender o seu sentido. E o mesmo se passa com a técnica e com as outras formas da ciência. Mas também é errado pensar que pela razão afetiva se consegue desfazer o enigma. Podemo-nos talvez aproximar mais profundamente, mas não é por acaso que os grandes mitos do amor são, a maior parte das vezes, mitos da procura de amor, de desejo de amor, não são histórias de fusão, de coincidência perfeita ou de uma reciprocidade sem ângulos. Também à afetividade se pede que aprenda a abraçar o enigma, que deixe de temer aquela porção inalienável de silêncio e mistério que cada ser humano irradia até ao fim. Amar é também amar o que não compreendemos do outro. Lembro-me que José Augusto Mourão defendia, a propósito deste argumento, uma posição desafiadora. Ele dizia: “O que os biólogos marinhos, a indústria de peixe e os compradores de mitos partilham, é simplesmente isto: ninguém realmente sabe o que é um peixe.” É uma coisa em que pensamos pouco: o papel que na nossa vida cabe a este não saber. Se realmente não sabemos o que é um peixe, temos que retirar daí elações e perguntar: como me posso avizinhar de um peixe? Mourão responde: “Aprendamos a negociar.” Isto é, dispúnhamo-nos a aprender, ouvindo, tentando construir pacientemente um pacto, não vinculados a um saber teórico, mas sendo fiel à observação da própria realidade. Sobre o peixe, há aquele conto instigador de Herberto Helder, no livro “Os Passos em Volta”.
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