As várias faces das amizades para as ocasiões

Na crónica ‘Sem Preço’, Catarina Nunes escreve sobre a onda de colaborações entre marcas e as intenções dos produtos híbridos
Na crónica ‘Sem Preço’, Catarina Nunes escreve sobre a onda de colaborações entre marcas e as intenções dos produtos híbridos
Jornalista
A tendência não é nova, mas ganha novos formatos em outubro, mês em que se fica a saber que, no terceiro trimestre, os principais grupo de luxo internacionais estão a vender ainda menos do que estavam antes. Enquanto estímulos ao consumo, as colaborações entre marcas, ou com personalidades reconhecidas, trazem agora diferentes faces do adágio ‘as amizades são para as ocasiões’.
No caso das marcas de luxo ou das aspirantes a esta perceção, as ocasiões criam-se quando há 100% de afinidades, as diferenças são menos importantes do que os interesses nos territórios uma da outra, há concorrência mas há ganhos com o co-branding ou, simplesmente, é preciso um pretexto para subir o preço de alguns artigos ou um conteúdo de comunicação que as destaque na multidão das redes sociais. Partilhando um perfil de clientes comum, a Guerlain passa as tardes no Ritz Four Seasons, até 30 de novembro. Sai do ambiente habitual de perfumaria para se associar a um chá temático neste hotel, que é idealizado tendo como inspiração dois dos novos produtos de cosmética da linha Orchidée Imperiale.
O creme rico hidratante e a loção-essência concentrada são o resultado das mais recentes inovações da Guerlain, o óleo concentrado de orquídea e a a água de orquídea, criados a partir de duas espécies de orquídeas com capacidade de quintuplicar a regeneração cutânea. O chá da tarde Orchidée Impériale, servido no Salão Almada Negreiros, conhecido pelos painéis do mestre Almada e pela instalação de orquídeas brancas, é inspirado nestas flores e nas cores (azul, dourado e prateado) das embalagens da linha Orchidée Impériale. Quem pedir o menu deste chá, criado por Diogo Lopes, chefe de pastelaria do Ritz, recebe um kit com produtos em embalagens promocionais, com os novos produtos incluídos.
A maioria das colaborações encontra-se na moda, dando a provar o gosto da alfaiataria italiana, da genialidade de um arquiteto premiado ou os arquivos históricos de uma marca luxo. A Mango Man apresenta, também na última semana de outubro, a união com a italiana Boglioli - reconhecida pela alfaiataria -, que idealiza uma coleção de oito blazers masculinos em fazenda de lã e tons castanhos, verdes e cinzentos. Os casacos, batizados com os nomes de oito localizações em Itália (Cremona, Lordi, Milão, Mantova, Brescia, Como, Monza e Lecco), trazem à Mango Man o cariz clássico do ‘luxo silencioso’, enquanto a Bogliogi massifica a sua visibilidade e recruta potenciais novos clientes nas lojas da cadeia espanhola.
A portuguesa Salsa Jeans tem um passado recente de colagem a designers de moda, como Luís Carvalho, e a influenciadoras digitais, como Madalena Abecasis, mas é na arquitetura que se posiciona agora. Na colaboração mais recente quer manifestar um Portugal contemporâneo, associando-se a uma área e a uma personalidade pouco óbvias para uma marca de gangas: Álvaro Siza Vieira. O resultado é uma coleção inspirada num dos animais da coletânea de desenhos ‘Bestiário’, projetados pelo arquiteto sobre azulejos. Um burro estilizado e o azul dos azulejos dão o mote à edição especial composta por dois modelos de calças de ganga e de t-shirts (femininos e masculinos), uma camisa de ganga e um hoodie, além de um saco de pano, um estojo e uma caneca, entre outros objetos.
A colaboração abrange ainda uma caixa personalizada, edição especial de colecionador limitada a 10 unidades, com uma ilustração assinada por Siza Vieira e algumas das peças da coleção. Para Siza Vieira esta é uma forma de incorporar a sua identidade nestas peças, e uma estreia na moda, enquanto a Salsa se apresenta com linhas depuradas e intemporais, além de se aventurar na venda de artigos para lá do vestuário. O reconhecimento internacional de Álvaro Siza Vieira não terá sido alheio à escolha, tendo em conta que esta coleção está à venda nas lojas Salsa em Madrid e em Barcelona, além de Portugal.
Em matéria de amizade de ocasião com marcas ou designers de luxo, porém, a H&M é pioneira desde 2004, quando se une a Karl Lagerfeld, e desde então sucedem-se as coleções híbridas. Já este ano, em maio, junta-se à Mugler e a partir de 9 de novembro terá à venda a coleção Rabanne H&M, baseada no design futurista das criações mais icónicas dos anos 1960 do falecido fundador da casa, Paco Rabanne. Neste revisitar de arquivos pela H&M, há conjuntos de duas peças de malha metálica, vestidos de lantejoulas espelhadas de PET reciclado, em chiffon com diamantes de imitação em vidro reciclado ou em malha com estampado de leopardo, por exemplo.
As opções no masculino passam por fatos prateados e coletes de malha metálica, enquanto malas de malha metálica, botas e chinelos de piscina com lantejoulas são parte da coleção de acessórios. A colaboração com a Rabanne inclui ainda uma coleção cápsula com a H&M Home, com várias propostas para a casa. Inspirada nas referências metálicas de Paco Rabbane e em estampados geométricos dos anos 1970, a H&M Home Rabanne abrange mobiliário, iluminação, tapetes e roupa de casa, como roupões, toalhas e cobertores, por exemplo. Em termos de acessórios de mesa, destacam-se as jarras metálicas, os copos e os candelabros.
A casa, aliás, é o território de inúmeras colaborações de luxo entre diferentes marcas e criadores, mas com objetivos comuns ou complementares, que se multiplicam durante e no pós-pandemia, a reboque do confinamento. A vela perfumada Botânica é o resultado do encontro entre a L’Objet e a Oficina Marques, refletindo o melhor da marca internacional de objetos para interiores e perfumaria, e do estúdio português de arte e design, que assim ganha visibilidade nos pontos de venda próprios da L’Objet em Paris e em Nova Iorque e no Harrod’s, em Londres. Esta parceria da L’Objet com artistas e artesãos nacionais não é propriamente inédita, uma vez que a marca tem um histórico de produção de cerâmicas e porcelanas em Portugal, há vários anos.
O resultado agora é uma edição limitada de 20 velas, que se apresentam numa espécie de vaso em grés vidrado, idealizado pela Oficina Marques e que celebra a natureza, um dos temas recorrentes nas criações da L’Objet. Cada recipiente leva cera perfumada com uma fragrância original da L’Objet, que transporta para o ambiente de uma floresta, através das notas de gerânio egípcio, abeto balsâmico, madeira, noz-moscada, patchouli indonésio e incenso africano. Cada vela tem uma dimensão de 23x20 centímetros e o recipiente, moldado à mão, apresenta figuras em relevo e pintadas em tons de verde.
Quem diz que o ultra-luxo não se pode juntar ao ultra-massificado? Pelo menos na relojoaria, os dois até podem ser mais do que melhores amigos e criar descendência. A Swatch acaba de fundir o modelo Scuba com o Fiftty Fathoms da Blancpain, uma das mais antigas e exclusivas marcas de relógios suíços, sendo ambas detidas pelo Grupo Swatch. O resultado é a coleção Bioceramic Scuba Fifty Fathoms, que homenageia o icónico Fifty Fathoms, com cinco modelos em biocerâmica em cinco cores diferentes e inspirados nos cinco oceanos, que são também território comum aos dois modelos de relógios de mergulho.
Esta é a primeira coleção Scuba com movimento mecânico e reproduz outras características do modelo da Blancpain, como a maior resistência à água, a luneta rotativa segura e a proteção anti-magnética, por exemplo. Cada modelo é batizado com o nome de um oceano (Ártico, Pacífico, Atlântico, Índico e Antártico) e reproduz ilustrações de diferentes nudibrânquios, animais marinhos coloridos que habitam as profundezas dos mares. A união é assumida com a presença dos logótipos Blancpain e Swatch no mostrador e na coroa dos modelos desta colaboração.
Pode não ser obrigatório criar híbridos para chegar a mais e melhores potenciais clientes ou elevar o posicionamento de uma marca. A Phyto aproveita a mudança de imagem das embalagens e o lançamento de duas novas linhas para cabelos e associa-se a João Gaspar e à sua Hair Luxury House. Com esta colaboração, o cabeleireiro português mais badalado do momento torna-se embaixador e prescritor dos produtos da marca francesa, que assim são usados e vendidos no seu salão em Lisboa, além do circuito massificado das farmácias, onde já estavam presentes. A escolha não é feita à toa. A Hair Luxury House é um salão de cabelos que faz jus à sua denominação e não só por se tratar de um apartamento com um design de interiores sofisticado.
João Gaspar, presença assídua a pentear modelos nos desfiles das semanas de moda internacionais e discípulo de Miguel Viana, só atende por marcação e uma pessoa de cada vez, garantia de um serviço individualizado e privado. É neste contexto que a Phyto quer dar-se a conhecer, em particular as novas linhas lançadas em outubro, dedicadas à nutrição e reparação de cabelo seco e danificado. Esta última, com mais de 90% de ingredientes naturais, é a mais inovadora por ser formulada com um novo complexo, derivado da aveia preta e do tremoço, que mimetiza 18 aminoácidos que constituem a queratina do cabelo, ajudando a selar os fios de cabelo.
Com as colaborações mais em alta do que nunca, haverá limites nas amizades entre marcas ou na criação de produtos ‘frankenstein’? Numa das suas crónicas mais antigas, Miguel Esteves Cardoso escreve que “os amigos têm de ser inúteis. Isto é, bastarem só por existir e, maravilhosamente, sobrarem-nos na alma só por quem e como são. O porquê, o onde e o quando não interessam. A amizade não tem ponto de partida, nem percurso, nem objetivo. É impossível lembrarmo-nos de como é que nos tornámos amigos de alguém ou pensarmos no futuro que vamos ter”.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: CNunes@expresso.impresa.pt