O detalhe menos falado (que agora custa €2,64 milhões) do filme “Casa Gucci”

Na crónica ‘Sem Preço’, a jornalista Catarina Nunes revisita a história do Lamborghini Countach, que regressa à produção e ao cinema
Na crónica ‘Sem Preço’, a jornalista Catarina Nunes revisita a história do Lamborghini Countach, que regressa à produção e ao cinema
Jornalista
Poucos automóveis têm uma aura tão intensa e mediatizada como o Lamborghini Countach e o seu design futurista, com as portas que abrem na vertical. Coincidência ou não, o inconfundível modelo criado originalmente em 1971 está de regresso. Seja na versão vintage no recém-estreado ‘Casa Gucci’, seja com a nova edição híbrida que custa €2,64 milhões.
Ambos os modelos assinalam datas marcantes, mas um chega às ruas no primeiro trimestre de 2022 e o outro é sobejamente conhecido desde 1988. Comecemos por este, que celebra os 25 anos da Lamborghini, fundada em 1963 no rescaldo de uma altercação entre Ferrucio Lamborghini e Enzo Ferrari. O Countach 25º Aniversário, que ressurge agora no ‘Casa Gucci’ conduzido pelo personagem de Adam Driver (Maurizio Gucci), é criado na sequência do protótipo Evoluzione, de 1986, do qual herda a pintura cinzenta-prateada.
É uma versão melhorada, com 3000 dos seus 8000 componentes a serem produzidos especificamente para este modelo, que teve direito a 658 cópias, fabricadas entre 1988 e 1990. Apesar do destaque no ‘Casa Gucci’, não é a primeira vez que o Countach dos 25 anos chega a Hollywood. A aparição anterior dá-se no filme ‘O Lobo de Wall Street’, tendo ao volante o personagem Jordan Belfont, protagonizado por Leonardo DiCaprio.
Neste filme de 2013, o icónico modelo apresenta-se em branco e tem um destino fatal. Na sequência do momento (não menos icónico) em que Jordan Belfont tenta entrar no seu Countach - sob o efeito de drogas e arrastando-se pelo chão –, acabando por o destruir enquanto conduz de regresso a casa. O dito carro é realmente destruído durante as filmagens, o que dá veracidade à cena mais memorável do filme de Martin Scorsese. Duas décadas antes, nos anos 1980, o Countach já alimenta a aura de desejo, não só com a campanha publicitária com a atriz Farrah Fawcett, os desenhos animados (‘Transformers’) e alguns jogos de computador (‘Test Drive’).
Está na memória dos fãs de ‘Miami Vice, série de culto na época, o episódio em que Nico Arroyo (Joaquim de Almeida), ao volante de um Countach LP 500S branco, é perseguido por Sonny Crockett (Don Johnson), que conduz um Ferrari descapotável preto. As opções automóveis para esta cena ‘piscam o olho’, curiosamente, à rivalidade histórica entre as duas marcas italianas (já lá vamos). No início da mesma década, no filme ‘A Corrida Mais Louca do Mundo’ em 1981, o protagonismo é o Countach LP 400. A história deste carro, porém, começa dez anos antes.
No Salão Automóvel de Genebra, em 1971, é apresentado o protótipo que herda o nome da expressão de espanto no dialeto de Piedmont, em Itália, muito usada por um dos elementos da equipa que está por trás da sua criação. É o sucessor do Miura (outro ícone da marca do touro), dando seguimento à estratégia da Lamborghini de produzir apenas um modelo de cada vez. O Countach fica na história por materializar algumas disrupções, como o nome fora da tauromaquia e a estreia da era dos carros superdesportivos, com o design mais emblemático da marca. Estes elementos estão declinados no novo Countach LPI 800-4, que assinala os 50 anos do modelo original. Não faltam as portas com abertura vertical em ‘tesoura’, os faróis baixos e retangulares, os guarda-lamas hexagonais, o interior inclinado e a traseira em cunha invertida, por exemplo.
As inovações estão por conta da tecnologia, com o novo Countach a basear-se no primeiro híbrido da Lamborghini (o Sián FKP 37, lançado em 2019), com o qual partilha alguns componentes. Em termos de potência, tem 800 cavalos (entre o motor V12 e o motor elétrico com 33 cavalos), face aos 400 cavalos do modelo original. Garantida está, segundo a Lamborghini, a fidelidade à experiência e à sonoridade característica do motor ‘Longitudinale Posteriori’ (traseira longitudinal), que se refere à orientação e localização do motor, comum a todos os modelos Countach.
Para aqueles que têm a expectativa de pôr as mãos nesta preciosidade ou vê-la nas estradas nacionais, há duas más notícias. As 112 unidades disponíveis estão todas vendidas e nenhuma vem para Portugal. À procura internacional não será alheia a tendência no consumo de luxo de procura do que é vintage e o consequente revisitar das marcas aos seus arquivos. Recuando na história, a produção do primeiro Countach só tem início em 1974, mas é o ano de 1971 que assinala o seu nascimento enquanto protótipo. Uma década antes, em 1963, Ferrucio Lamborghini inaugura uma pequena fábrica em Sant’Agata Bolognese, a cerca de 25 quilómetros de Bolonha, perto de Maranello, onde já se encontra a fábrica da Ferrari.
A referência a este detalhe não é desgarrada, uma vez que o até à data fabricante de tratores decide criar um carro para rivalizar com a Ferrari, da qual Ferrucio Lamborghini já é cliente. O motivo? A queixa que faz em relação aos alegados problemas mecânicos da marca, à qual Enzo Ferrari responde que um fabricante de tratores não pode perceber de automóveis. Ferrucio ‘vai à desforra’ e cria o Lamborghini 350 GTV, produzindo apenas um exemplar, ao qual se segue o 350 GT, com 120 unidades. A linha estética é semelhante aos Ferrari, mas mais ‘agressiva’, e a ideia é que os modelos tenham um período de vida útil mais curto, com o seguinte a surgir quando o anterior deixe de ser produzido.
No início da década de 1970, Ferrucio Lamborghini alarga novamente o negócio e começa a fornecer motores para a indústria náutica. Evolui mais tarde para a construção das suas próprias lanchas, com as quais ganha alguns títulos mundiais de Classe 1. Derivados ou não desta estratégia de diversificação, os problemas avolumam-se. O descalabro financeiro acontece quando o Governo da Bolívia cancela uma encomenda de 5000 tratores, que já estavam produzidos, gerando falta de liquidez. Em 1972, Ferrucio vende 51% das ações ao suíço Georges-Henri Rosseti e, dois anos mais tarde, entrega os restantes 49% à René Leimer, um amigo de Rosseti.
A partir daqui, a Lamborghini faz uma ‘travessia no deserto’ de 25 anos, com Ferrucio a morrer em 1976 e a empresa a passar por vários proprietários, como a Chrysler e o filho de Suharto, antigo presidente da Indonésia. A estabilidade é encontrada em 1998, com a entrada da Lamborghini no Grupo Volkswagen, enquanto subsidiária da Audi, que detém a marca até hoje. Comum a toda esta saga é um detalhe que dá resposta à personalidade sanguínea do fundador e ao logotipo do touro em posição de ataque. Apaixonado por touradas espanholas, Ferrucio Lamborghini nasce a 28 de abril de 1916…regido pelo signo de Touro.
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