Conheça o excêntrico que pagou mais de €1 milhão por uns ténis velhos

Na crónica ‘Sem Preço’ desta semana, a jornalista Catarina Nunes escreve sobre o recorde batido em leilão com uns ténis usados por Michael Jordan
Na crónica ‘Sem Preço’ desta semana, a jornalista Catarina Nunes escreve sobre o recorde batido em leilão com uns ténis usados por Michael Jordan
Jornalista
Nick Fiorella é o protagonista do noticiário internacional e das redes sociais, desde domingo passado, por ter pago 1,472 milhões de dólares (€1,27 milhões) pelos primeiros ténis usados por Michael Jordan, enquanto basquetebolista profissional. É o valor mais alto alguma vez pago por uns ténis num leilão público, mas não é o mais elevado de sempre. Já lá vamos.
Este colecionador norte-americano da Flórida, proprietário e presidente da seguradora Fiorella Insurance Agency, é conhecido pelas suas compras excêntricas, focadas no lucrativo mercado das cartas de desportistas. A aquisição anterior mais recente é em março de 2021, quando gasta 4,6 milhões de dólares (€4 milhões) na compra da carta do basquetebolista Luka Doncic. Nesta altura, Nick Fiorella bate o seu primeiro recorde de 2021, com a transação da carta mais cara de sempre no basquetebol e a segunda mais cara da história.
A loucura pela memorabilia associada à NBA agudiza-se no primeiro ano pandémico, com Nick Fiorella a adquirir em julho e em setembro de 2020 cartas assinadas por Giannis Antetokounmpo e LeBron James, por 1,81 milhões de dólares (€1,56 milhões) e 1,80 milhões de dólares (€1,55 milhões), respetivamente. Claramente com muitos milhões para gastar, Nick Fiorella encara estas extravagâncias como investimentos de longo prazo, que, como tudo, têm os seus riscos.
Os riscos de Nick Fiorella compensam os gastos milionários, se os leilões de ténis (sapatilhas ou sneakers) do último ano forem indicadores de uma tendência sustentável. Pelo menos no que diz respeito aos modelos Air Jordan, submarca da Nike criada em parceria com Michael Jordan, cuja procura dispara na sequência da estreia do documentário ‘The Last Dance’, em 2020. Aliás, a relíquia comprada a 24 de outubro pelo empresário dos seguros tem um duplo significado. Assinala não só os primeiros passos da carreira profissional do jogador do Chicago Bulls, como da própria Air Jordan.
Os Nike Air Ship 1984, leiloados agora na Sotheby’s em Las Vegas, foram usados por Michael Jordan no quinto jogo da sua época de estreia, contra o Denver Nuggets, e representam a primeira vez que uns ténis ultrapassam a barreira do milhão de dólares num leilão público. O recorde anterior é definido na Christie’s, em agosto de 2020, com a venda dos Nike Air Jordan 1 High 1985 por 615 mil dólares (€530 mil). O modelo em causa é usado pelo protagonista do ‘The Last Dance’ no jogo de exibição de pré-temporada, em Itália em 1985, em que Michael Jordan parte uma tabela com um afundo. Estes ténis icónicos são testemunhos disto, uma vez que na sola do pé esquerda ainda se encontra um pedaço da dita tabela.
Anteriormente, em maio de 2020, tinha sido estabelecido um novo limite, desta vez na Sotheby’s, com a venda de outros Air Jordan 1 1985, mas por um preço inferior - 560 mil dólares (€488 mil), em pleno confinamento e a coincidir com os 35 anos da criação da submarca da Nike. Este é primeiro modelo fabricado já no âmbito do contrato de produção de ténis para o jogador do Chicago Bulls e que destrona o recorde anterior, também na Sotheby’s, com os Nike ‘Moon Shoe’, leiloados há dois anos por 437.500 dólares (€382 mil). Aliás é em 2019 que a Sotheby’s começa a leiloar ténis e os preços têm disparado e os recordes são batidos, desde essa altura.
A valorização do espólio de Michael Jordan é reforçado com o interesse em torno do documentário ‘The Last Dance’, mas não é alheia à história que envolve a Nike com o basquetebolista. Tudo começa em 1984, quando Jordan é ainda apenas uma esperança e a Nike é visionária o suficiente para lhe oferecer uma linha personalizada de ténis e roupa desportiva. Uma primeira aproximação que seduz o jogador de basquete a assinar um contrato com a Nike e a lançar, em 1985, a Air Jordan.
O primeiro modelo criado em parceria é o Air Jordan 1 e destaca-se por ter o símbolo da Nike (o Swoosh) mais alongado e fino e os atacadores vermelhos (na época, os Nike têm atacadores brancos ou pretos). Outro dos detalhes é a assinatura do nome de Michael Jordan em um dos ténis, que é feita com um tipo de impressão permanente, face aos ténis autografados com caneta, cuja tinta desaparece com o tempo. Também contribui para a valorização o facto de as marcas de uso serem visíveis, à semelhança dos ténis de 1984, como os que foram parar às mãos de Nick Fiorella.
Estes modelos antigos apresentam-se mais gastos do que os mais recentes, porque Michael Jordan calça, nos últimos anos de carreira, um par novo em cada jogo. Os ténis que marcam o arranque do contrato são batizados por David Falk, agente de Michael Jordan, como Air Jordan, por os ténis Nike terem ar nas solas e Michael Jordan jogar no ar. De acordo com a revista Forbes, a marca Air Jordan tem uma faturação anual de mil milhões de dólares (€862 milhões) e é previsível que as vendas venham a aumentar devido não só ao documentário da Netflix, como à tendência crescente do streetwear e o foco na cultura afro-americana, por conta do movimento Black Lives Matter.
Este aspeto, para já, determina a elevação de uns ténis usados por Kanye West ao estatuto de ‘Mais Caros do Mundo’, com um valor cerca de 400 mil dólares (€345 mil) acima dos Air Jordan Ship, recordistas em leilão público. Numa venda privada na Sotheby’s, os Nike Air Yeezy 1 Prototype 2008 são comprados, em abril de 2021, por 1,8 milhões de dólares (€1,5 milhões). Desta vez o novo proprietário não é nenhum milionário excêntrico, mas antes a plataforma Rares que comercializa artigos colecionáveis, que alimentam os devaneios consumistas ou de investimento daqueles sem limites na conta bancária.
Também neste caso, os ténis beneficiam do nome do proprietário anterior, uma vez que são um protótipo usado por Kanye West na atuação de entrega dos Grammy’s de 2008. Reflexo das novas referências culturais e de consumo, os ténis estão elevados à condição de peça de coleção e querem-se usados por estrelas planetárias. Até porque a ideia não é exibi-los nos pés, mas antes guardá-los num cofre e esperar que o preço suba, para voltar a colocá-los num leilão. O lixo não é o lugar dos ténis velhos.
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