Estas são das presidenciais com os maiores efeitos sistémicos: temos de distinguir os resultados deste domingo da influência que vão ter no futuro. A direita sofre um abalo que contaminará a democracia portuguesa. No curto prazo, António Costa também ganha: em Belém, à direita, à esquerda e no seu partido. Marcelo foi reconfirmado com distinção, mas continua limitado a ter de se entender com um Governo socialista, no mandato mais difícil que em Belém já se viu
Há uma imagem da noite deste domingo que faz de Portugal um lugar único no mundo: um Presidente da República reeleito, sozinho no seu próprio carro a rabiscar um discurso de vitória que faria solitário num átrio vazio de uma faculdade. Os portugueses gostaram dessa dessacralização do poder, Marcelo Rebelo de Sousa teve 60,7% dos votos e reforçou a votação de 2016, quando nos últimos dias se falava da hipótese de uma segunda volta - a abstenção não foi tão negra como se chegou a temer - e foi reconfirmado com distinção e louvor. Se um resultado chorudo, como o Presidente/candidato chegou a explicar, significa que os portugueses ficaram satisfeitos com a sua relação com o Governo, então António Costa pode estar descansado.
RESULTADOS ELEITORAIS
Há outra imagem desta noite que faz Portugal tornar-se, pelo contrário, um lugar como outros países: a explosão eleitoral do populismo com o resultado de 11,9% de André Ventura, quase meio milhão de eleitores. A partir desta domingo nunca mais a direita será a mesma e abre-se um novo capítulo da política em Portugal ao som deste grito: “PSD, ouve bem: não haverá Governo em Portugal sem o Chega!”. À direita, portanto, António Costa pode estar descansado e começar já a ensaiar o discurso dirigido ao centro, de que um voto no PSD é um voto para o Chega entrar no arco do poder.
À esquerda, o desastre de Marisa Matias e do Bloco (3,9%), que ficou abaixo do resultado modesto de João Ferreira e do PCP (4,3%), deixa os dois partidos a precisarem de tempo e oxigénio antes de pensarem em chumbar um orçamento nos próximos anos. Por aqui, António Costa também pode estar descansado. Uma esquerda que neste estado não pode arriscar eleições terá muita dificuldade em inviabilizar um Governo do PS com a extrema-direita à espreita, por mais que venha a desgastar-se com a gestão da pandemia.
RESULTADO COMPARATIVO DE ANA GOMES
Na frente do PS, Ana Gomes alcançou o segundo lugar à frente de Ventura, mas é um resultado pífio: ficou a metade dos votos de Sampaio da Nóvoa em 2016 ou de Manuel Alegre em 2006. Se a ala esquerda socialista vale apenas estes 12,9% do eleitorado e o primeiro-ministro anda pelos 37%-39% nas sondagens, o espaço de Ana Gomes no PS não é uma bandeira que chegue para Pedro Nuno Santos agitar como vitória. Na verdade, o argumento mais válido e que usou no discurso final é realista: sem a sua candidatura, a extrema-direita teria tido um resultado muito melhor. Do ponto de vista interno, António Costa também pode estar descansado.
Um abalo sistémico no regime, à direita
Neste domingo aconteceram as presidenciais mais importantes dos últimos 35 anos, desde o duelo Soares-Freitas, porque temos de distinguir os resultados do efeito que vão ter no sistema político nos próximos anos. O abalo do resultado de André Ventura (que mal comparado com umas legislativas correspondia a uma bancada parlamentar de 19 deputados) é ainda mais sistémico do que o nascimento da ‘geringonça’ em 2015.
Rui Rio não pareceu muito preocupado - aliás, disse não estar “nada preocupado” com o Chega - e preferiu sublinhar a falência do PCP no Alentejo, atrás de Marcelo e da extrema-direita. Insistiu na vitória do centro, dando a entender que, como sempre disse, é neste espaço que vai procurar votos, agora falta explicar como é que caça ao centro com a porta aberta à extrema-direita racista e xenófoba. Ou como é que isolando a ultradireita conseguirá formar Governo. O caminho é estreito.
Para o CDS ainda pior. No comentário na TVI, Paulo Portas avisou que “para o PSD e ainda mais para o CDS” este resultado de André Ventura “é uma questão séria”. E com o crescimento de Tiago Mayan Gonçalves, da Iniciativa Liberal (3,2%), o espaço dos democratas-cristãos fica cada vez mais apertado. Até quando durará esta liderança? Apertado por liberais e por radicais, que espaço têm os democratas-cristãos? Os próximos meses vão ser férteis nos bastidores centristas...
Na corrida das esquerdas, o Bloco foi esmagado, Marisa Matias desperdiçou o capital político que tinha e perdeu a posição que mantinha nas primeiras linhas da sucessão. Teria sido melhor a desistência a favor de Ana Gomes, com defendeu Daniel Oliveira, por exemplo? Esperava-se que o resultado fosse mau, mas nem por isso tão mau e pode ser lido como um sinal forte do eleitorado em relação ao chumbo do Orçamento e à retórica rígida da tríade investimento no SNS, leis laborais e precariedade.
CANDIDATOS DO BLOCO DE ESQUERDA
De que forma o BE vai corrigir o rumo (se é que o fará) é uma incógnita, mas o PCP, apesar de ter um resultado fraco, consegue pela primeira vez nos últimos cinco sufrágios melhorar um resultado. João Ferreira conseguiu fazer ligeiramente melhor do que Edgar Silva em percentagem, de 3,9% para 4,3%, mas perdeu 2.536 votos e teve a pior votação bruta de sempre do PCP em presidenciais. Pior do que isso, foi a humilhação infligida pelo Chega no Alentejo que deve obrigar o partido a uma reflexão séria. Em todo o caso, é de prever, como já vinha do congresso, e sobretudo nestas circunstâncias, que o PCP continue a ser o apoio do PS no Parlamento, resta saber a que preço.
CANDIDATOS COMUNISTAS
Acima dos efeitos da eleição paira Marcelo Rebelo de Sousa, que se tornou a personalidade mais transversal da política portuguesa. Sem ter qualquer alternativa viável à direita, depois de ter feito críticas a Ventura que Rui Rio nunca arriscou, pediu a existência de "um Governo credível e forte, mas também uma alternativa forte contra desesperos e aventuras". Com uma vitória que só não é saborosa porque o momento é de luto, Marcelo tem pela frente o mandato presidencial mais difícil em que um Presidente já embarcou.
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