A praga do trufado

Houve um tempo em que o luxo ainda não estava “democratizado” como hoje. Corrijo. Ainda não se tinha ouvido falar de um conceito de “luxo acessível”, que é giro mas pode ser a maior das petas. Vai para uns 20 anos, mais ou menos. Constou que em zonas do Alentejo havia a “febre do cogumelo”. Fui investigar. Ali para a zona de Montargil, após uma noite húmida de outono ou de primavera, dava-se aquele milagre de no montado, em locais escuros, esparsos e aparentemente aleatórios, junto a árvores, nascerem cogumelos silvestres variados. Entre os quais as “nossas” trufas. Primas pobres das outras e de sabor bem menos intenso do que as italianas. As chamadas túbaras, ou túberas, que agora têm o nome finório de silarcas (para não serem confundidos com túbaros, que são testículos de porco) e que já têm um festival na zona de Beja numa aldeia chamada Cabeça Gorda — informação que descobri para esta crónica. Estas túberas comem-se como os cogumelos normais, assim com ovos mexidos, por exemplo. Os tintins de porco também. Desvio-me. Nesses dias em que a chuva, a humidade e um pressentimento anunciavam milagre dos fungos, todos largavam o trabalho. Até o padre. E iam à “caça” de cogumelos. E porquê? Porque os italianos — os tolos — levavam “aquilo” tudo a um preço absurdo. Cogumelos, vejam lá. Até as túberas. Lembro-me de um tipo que era um dotado a descobri-las por intuição, chegava a mudar de motorizada só para despistar os patetas que o seguiam e queriam ir na sua peugada para lhe roubarem o pressentimento. No fim do dia os totós dos italianos davam um dinheirão por algo que a natureza oferecera graciosamente.

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