Opinião

Porque não caiu Putin?

Porque não caiu Putin?

Frederico Teixeira

Jurista, Doutorando em Ciência Política

Quem espera um colapso russo semelhante ao da década de 1990 esquece-se de que o contexto mudou e o mundo também

Disseram-nos que a Rússia cairia. Que Putin, encurralado pelas sanções mais duras da história moderna, assistiria ao colapso do seu regime sob o peso da pressão ocidental. Congelaram-se os ativos de oligarcas, expulsaram-se bancos do sistema SWIFT e fecharam-se as portas da Europa à economia russa. As marcas ocidentais abandonaram de imediato Moscovo como se a queda de um regime estivesse à venda numa loja da Zara, ou dependente de um hambúrguer do McDonald´s.

No entanto, três anos após a invasão da Ucrânia, Vladimir Putin continua no poder, o Kremlin continua firme, os canais de propaganda internos não pararam e a Rússia, longe de cair, adaptou-se. A questão impõe-se – porque não caiu Putin?

É na resposta a esta pergunta que reside o desconforto da Europa, porque exige enfrentar a realidade que desmente o mito de que o Ocidente é o centro do mundo. Continuamos a observar o planeta como se tudo girasse em torno de Bruxelas, Washington e Londres.

Todavia, a geopolítica mudou, o tabuleiro global já não gira à volta do G7 e as regras do jogo já não são determinadas apenas nas cimeiras europeias, ou nos corredores da Casa Branca. Enquanto sancionávamos a Rússia com fervor moral, Putin fazia acordos com a China e aumentava as exportações para a Índia.

Em 2025, a China tornou-se o maior comprador de petróleo russo, seguida de perto pela Índia que, mesmo após a imposição de tarifas de 50% pelos EUA, continua a importar volumes crescentes de crude russo. A consequência é óbvia, Putin não caiu porque encontrou quem o sustentasse fora do Ocidente.

Não se trata de um milagre de resiliência russa. O que vemos é uma arquitetura alternativa de poder, onde a Rússia não eliminou as sanções, apenas as contornou. Criou uma frota fantasma de navios para transportar petróleo sem supervisão, recorreu a moedas alternativas ao dólar para efetuar transações bilaterais e construiu uma economia de guerra orientada para o esforço militar, na qual a repressão interna garante controlo social e o investimento público substitui o capital privado perdido.

É certo que a economia russa está mais fraca, com inflação persistente, fuga de cérebros e colapso do consumo interno, mas isso não significa que o regime esteja à beira da queda. Quem espera um colapso russo semelhante ao da década de 1990 esquece-se de que o contexto mudou e o mundo também.

É nesta falha de análise que reside o erro estratégico do Ocidente. Continuamos a confundir o enfraquecimento económico com o colapso político, como se a escassez de iPhones, ou a falta de cafés Starbucks fossem suficientes para derrubar um autocrata que sobrevive politicamente desde o século passado.

Esquecemo-nos de que há regimes que não se avaliam com base em critérios democráticos ou económicos, mas sim através de mecanismos de controlo, repressão e propaganda. Putin sobrevive porque ainda domina o espaço público, controla a narrativa e eliminou todas as alternativas credíveis ao poder no seu país. Além disso, encontrou uma rede de aliados que, por conveniência ou convicção, continuam a fazer negócios com Moscovo.

Mas ainda há um ângulo mais profundo, menos debatido e mais desconfortável – Putin não caiu porque o sistema internacional permite que não caia. A chamada ordem liberal internacional está em declínio e, no seu lugar, emerge uma nova multipolaridade em que as sanções ocidentais já não são uma sentença de morte, mas sim um desafio logístico.

A cimeira da Organização de Cooperação de Xangai, que decorreu nos últimos dias em Tianjin, é o exemplo mais claro de que estão a nascer blocos geopolíticos que não só sobrevivem à pressão ocidental como a desafiam abertamente. Xi Jinping, Narendra Modi e até Recep Tayyip Erdogan sentaram-se à mesa com Putin para discutir novos equilíbrios, novas moedas e novas rotas. O que estas reuniões revelam é que, mesmo isolada do Ocidente, a Rússia ainda tem um mundo com quem negociar.

A nossa ilusão de centralidade leva-nos a acreditar que, uma vez fechadas as portas da Europa, não resta mais nada. Porém, o mundo é vasto e a economia internacional já não depende exclusivamente de Paris, Frankfurt ou Nova Iorque. Basta observar os fluxos energéticos, os corredores logísticos e os sistemas de pagamentos alternativos em desenvolvimento.

Ou seja, se Putin ainda não caiu – e, ao que tudo indica, não cairá por via externa – é porque o cerco montado à sua volta tem demasiadas brechas. Porque, ao contrário do que nos ensinaram, não basta aplicar sanções para derrubar um regime. É preciso que o mundo inteiro se alinhe nesse esforço e esse mundo já não existe, se é que alguma vez existiu.

A guerra na Ucrânia permanece uma atrocidade inaceitável, uma violação flagrante do direito internacional, marcada por um catálogo de crimes de guerra e por um ataque bárbaro à soberania de um Estado livre. Nada disto é discutível. Porém, num conflito onde ainda não se vislumbra um fim à vista, importa que a Europa reflita sobre a ineficácia das suas posições e compreenda que Putin não caiu porque o mundo já não gira à volta do Ocidente. Ponto!

E continuar a pensar o contrário é, no mínimo, ridículo. No máximo, perigoso.

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