Opinião

Inovação europeia na era de Trump

Inovação europeia na era de Trump

Gil Azevedo

Diretor executivo da Unicorn Factory Lisboa

A Europa tem de deixar de ser essencialmente consumidora de inovação proveniente dos EUA e da Ásia, e afirmar-se como produtora e exportadora de tecnologia de ponta

A relação entre os Estados Unidos e a União Europeia tem arrefecido desde a tomada de posse de Donald Trump. A saída dos EUA do Acordo de Paris e da Organização Mundial da Saúde, a imposição de tarifas comerciais e a pressão para que os países europeus aumentassem a sua contribuição para a NATO têm desafiado as relações transatlânticas, não só a nível diplomático, mas também na dependência da Europa de tecnologia “made in America”.

O fosso de inovação entre continentes é demonstrado pela diferença no número de unicórnios e de submissões de patentes, onde a Europa conta com menos de um quarto e menos de um terço, em comparação com os Estados Unidos, respetivamente.

Tal como acontece na área da defesa, onde a Europa tem contado com os EUA como principal parceiro, o mercado e o fluxo de capital americanos têm sido fundamentais para o crescimento das startups europeias, onde dados de 2023 mostram que 40% do investimento em startups europeias tem origem em fundos norte-americanos, segundo a empresa de capital de risco Atomico.

Perante um cenário internacional mais volátil, torna-se urgente repensar o papel da Europa no ecossistema global de inovação. Segundo um artigo recente da Sifted, tanto fundadores como fundos de capital de risco manifestam preocupação com o atual panorama geopolítico.

A incerteza económica e política é inimiga do investimento em inovação e tem um impacto negativo direto no crescimento do ecossistema empreendedor europeu. A União Europeia precisa de agir com urgência para não comprometer o crescimento económico futuro e evitar uma dependência cada vez mais significativa de outras geografias.

A solução passa por uma mudança estrutural: a UE deve evoluir do seu papel tradicional de reguladora que alimenta 27 mercados distintos e isolados, para o de facilitadora de inovação responsável com um mercado único para a inovação. Isto implica remover barreiras burocráticas, aproximar ecossistemas e assegurar que os fundos europeus são utilizados de forma eficaz e atrair capital privado que amplifique o seu impacto.

A Europa tem de deixar de ser essencialmente consumidora de inovação proveniente dos EUA e da Ásia, e afirmar-se como produtora e exportadora de tecnologia de ponta.

A nova Estratégia Europeia para Startups e Scaleups, apresentada recentemente pela Comissão Europeia, é um sinal positivo de que a Europa está, finalmente, a assumir um compromisso mais firme com a criação de um polo global de inovação. Contudo, é essencial que esta estratégia se traduza numa mudança na forma de resolver os desafios, e resulte em ações concretas, como simplificação da burocracia, redução da carga fiscal, ativação eficaz do mercado de capitais europeu para startups, e agilidade no acesso a financiamento público e privado.

A criação do 28º regime, um “país” virtual com regras mais flexíveis e reconhecido pelos restantes países europeus, é um primeiro passo criativo de dar resposta a alguns destes temas, mas que, mais uma vez, parece preso na máquina burocrática de Bruxelas.

Na Unicorn Factory Lisboa, temos apostado numa estratégia que tem vindo a ser reconhecida internacionalmente como o caminho a seguir a nível europeu. Promovemos a capacitação de scaleups para acelerar o seu crescimento internacional, estabelecemos parcerias com outros mercados que criam pontes entre ecossistemas e fomentamos o desenvolvimento de comunidades em áreas críticas para o futuro, como a Inteligência Artificial, com um forte envolvimento e apoio das empresas portuguesas mais inovadoras.

Contudo, apenas a União Europeia e os governos nacionais têm o poder legislativo necessário para criar condições estruturais que promovam a inovação, atraiam mais investimento privado e retenham as startups de maior potencial na Europa.

Embora a presidência de Trump tenha trazido incerteza e dificuldades no curto prazo, este pode ser o despertar que a Europa precisava para a inovação. As dificuldades vividas nas negociações com a administração norte-americana para as tarifas comerciais transatlânticas, expõem as fragilidades atuais e que exigem uma resposta coordenada, ambiciosa e orientada para o futuro.

A Europa tem o conhecimento, o talento e as instituições para ser uma protagonista da inovação global — mas só o conseguirá se transforrmar urgência em ações concretas, já.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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