Opinião

Orçamento do Estado – o PS não acerta

Orçamento do Estado – o PS não acerta

Ascenso Simões

Gestor e ex-Membro do XVII Governo Constitucional

A conversa fiada de que o PS precisa de ver o OE para decidir, era o que se devia ter sido feito no passado ano, não hoje. Hoje, quase sem quadros relevantes, ainda sem uma ideia de país e no terceiro posto parlamentar, o PS só precisa de ganhar fôlego, não empurrar o PPD/PSD para os braços do Chega, fazer com que o OE não seja assunto

Deve o PS viabilizar o Orçamento do Estado para 2026? Sim, e sem ondas.

Os longos anos de poder, em três levas, fizeram com que o Partido Socialista tivesse perdido as condições para se adaptar, com facilidade, à oposição.

Em outubro próximo, passarão 30 anos da primeira vitória eleitoral que permitiu ao PS governar com estabilidade e já com o país no espaço europeu. Essa primeira experiência governativa, de 1995 a 2002, recebeu os contributos de um vasto conjunto de personalidades que tinham vivido penosamente a década cavaquista, tinham ajudado a pensar uma nova realidade governativa, vinham de muitos universos profissionais, garantiam autonomia de pensamento.

Entre 2002 e 2005, o PS, apesar do processo Casa Pia, continuou a ser um grande partido, era a oposição que contava, ainda com atores relevantes no aparelho interno e no parlamento. Foram três anos em que o PPD/PSD, aliado ao CDS, fez tudo para que os portugueses esquecessem os últimos meses da governação de Guterres e estivessem disponíveis para voltar a acreditar nos socialistas.

De 2005 a 2011, Sócrates lidera dois governos com impulsos diferentes, servidores distintos e conquistas também desiguais. O primeiro foi o grande executivo da modernidade, o segundo foi o que teve de enfrentar a crise internacional.

De 2011 a 2015, fruto da agenda neoliberal e extremista do novo governo PPD/PSD, também com o CDS, a oposição era relativamente fácil – estar contra a austeridade. Mais, estar contra o ir além da austeridade. Não foram precisas novas ideias, nem novos protagonistas, bastava estar contra. António José Seguro tentou um caminho de construção programática alternativo, mas teve muitas dificuldades.

Chegados a 2014, o PS divide-se sobre o trilho a seguir para voltar ao poder no ano imediato. A guerra dura entre Costa e Seguro deixou marcas. Costa aparecia, depois da contenda, com apreciações que colavam o PS a uma nova maioria absoluta, mas, por muitas razões, ela não aconteceu. O PS perdeu.

Porém, fez acordos com os partidos à sua esquerda e, mesmo tendo sido vencido, governou. Foram governações que repuseram os rendimentos, enfrentaram a pandemia e a crise inflacionista, mas elegeram o tacticismo como matriz.

Neste terceiro tempo de governação, o executivo foi constituído por quadros que vinham de anteriores governos, já muito alheados da vida concreta das pessoas e das novas realidades sociais, e por jovens, com potencial e muitas certezas, mas carentes de um conhecimento transversal, de vida e autoridade fora do partido e de links emocionais com os portugueses.

As três levas de governo terminaram com “imagens de marca”. O “pântano” de Guterres, a “bancarrota” de Sócrates e o “parágrafo da Procuradora” de Costa. Porém, há uma diferença entre as situações de 2001 e de 2011 relativamente à de 2024. Nas duas primeiras, os erros do PS beneficiaram diretamente o PSD, na última, fruto de muitos equívocos dos socialistas, o grande beneficiado foi o Chega. Consagra-se uma nova circunstância partidária que os dirigentes do PS ainda não quiseram entender – o poder já não está ali à nossa espera se o PPD/PSD voltar a fazer burricadas. Depois das asneiras do governo e do PS entre 2022 e 2024 e dos erros estratégicos seguintes do partido, tudo pode ajudar a que o Chega seja governo numa situação em que o PPD/PSD e o PS não vejam para além do dia, da guerrilha, da resposta inconsequente ou disparatada.

O PS passou uma parte do ano 2024 enredado na decisão de viabilizar, ou não, o Orçamento para 2025. Fez quase tudo mal.

Pedro Nuno Santos era um líder marcadamente à esquerda. Para ele, a máxima de que “se pensarmos como a direita acabamos a governar como a direita” era o mantra, os portugueses tinham dele uma imagem que ia numa articulação com os outros partidos revolucionários. Assim, o PS nunca devia ter entrado numa negociação do orçamento, era contranatura, afirmava-se danosa para a estratégia e para a autoridade política de Pedro Nuno. O líder foi obrigado a recuos, a frases que se contradiziam, a comportamentos de quem não estava na sua verdadeira pele. Tendo em conta a realidade do PS, sempre me mostrei contrário à negociação do OE para 2025 como ela foi promovida.

As eleições da primavera deste ano mudaram radicalmente o cenário político. O PPD/PSD pode governar sozinho por quatro anos, pode tentar afirmar-se como partido charneira, espaço que foi do PS nas últimas três décadas.

Relegado para terceira posição no parlamento, circunstância que do ponto de vista simbólico não desaparecerá tão cedo, mesmo com um bom resultado autárquico, o PS e o seu novo líder deveriam ter iniciado a longa travessia. Porém, continuam a achar que o poder está já ali, que os portugueses querem que sejam as mesmas pessoas, que atravessaram os diversos tempos de governo, a influenciar as decisões, que sejam os mesmos rostos do aparelho a transmitir a mensagem, é um grave erro. Assim não vamos lá! O líder tem feito um sacrifício imenso no apoio aos candidatos autárquicos, mas por que é que só ele existe, só ele se vê? Onde estão as novas figuras que comecem com ele a nova travessia?

Se Pedro Nuno votou favoravelmente o OE para 2025, contra as suas vontade e estratégia, adivinhavam os portugueses que Carneiro anunciasse cedo a viabilização do OE para 2026. Era o que fazia sentido, ninguém entenderá se não for assim.

Então, por que é que ele não comunicou já essa posição? Tão só porque alguns do que antes tinham “feito a folha” a Pedro Nuno estão já a preparar o mesmo caminho para Carneiro e ele ressente-se, fica nas cordas.

A conversa fiada de que o PS precisa de ver o OE para decidir, era o que devia ter sido feito no passado ano, não agora. Hoje, quase sem quadros relevantes, sem uma ideia nova de país e no terceiro posto parlamentar, o PS só precisa de ganhar folego, não empurrar o PPD/PSD para os braços do Chega, fazer com que o OE não seja assunto.

Se Carneiro queria encenar razões para se abster, afinal a política também é teatro, devia ter colocado três condições: 1) que a legislação laboral não se confundisse com a lei do Orçamento; 2) que a possível privatização do SNS estivesse longo do debate sobre as contas; 3) que qualquer tentativa de privatizar a Segurança Social não fosse cavaleiro orçamental.

Só que Carneiro, pensando que o seu lugar pode estar em causa no próximo congresso, resolveu meter todo o tipo de figurão nos órgãos e nos conselhos do partido e opta por uma atitude errática quanto aos temas políticos do dia. Com as principais decisões tomadas, o líder do PS ainda não tem um só jovem a ouvi-lo ou um casal de trinta anos a segui-lo, não consegue ainda mobilizar. Abdicou, até agora, de fazer a luta que importa – transparência e responsabilidade na vida pública.

Ele não terá oposição no próximo congresso, tem com ele o aparelho que está velho e cansado, mas não pode ter uma tendência para estacionar eleitoralmente. O PS tem de voltar a dizer o que é, o que faz e do que fala, qual é o seu propósito. Importa resignificar sem romper.

Um exemplo – parece ter sido constituído um pacote interessante sobre política de Justiça. A ordem natural das coias seria fazer reuniões com as ordens profissionais, com as faculdades de direito, com as associações sindicais, com as delegações regionais da Ordem dos Advogados, visitas a tribunais, duas grandes reuniões a norte e a sul. Depois de todo esse movimento, com a ida de duas ou três individualidades, que não tenham sido membros do governo no passado e que tenham curriculum, às televisões, as iniciativas legislativas seriam apresentadas no parlamento e agendadas. Isto é que é uma coisa bem feita, com sentido, com lastro. Só que alguém optou por dar a conhecer umas linhas ainda com pouco nexo, exatamente na semana em que o país vai voltar a ouvir falar, com insistência, da Operação Marquês. Quando o assunto voltar já estará requentado.

Foram trinta anos de poder. Voltar a ter a confiança dos portugueses não se faz a olhar pelo retrovisor, importa ser corajoso, imaginativo e, principalmente, credível. Carneiro tem de abandonar o deslumbramento, tem de decidir se lhe basta o frenesim em que tem andado. Em boa verdade, tem de ponderar se quer ser uma personalidade que conta mesmo no país ou se está nisto só para ocupar o lugar.

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