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Opinião

O parto do século

Esperemos que a guerra do Donbass e o morticínio de Gaza não sejam a marca de outra guinada histórica: o triste e sombrio parto do século XXI

Diz-se que o século XX começou em 1914, com a conflagração da Grande Guerra. Ainda ninguém opinou sobre o momento em que o século XXI verdadeiramente começou. O século XIX acabou soterrado nas trincheiras da Flandres e no colapso da Rússia dos Czares. Desapareceram os grandes impérios centrais, as suas dinastias reinantes e a ordem social conservadora que as sustentava. Acabaram as rígidas hierarquias da era vitoriana e ninguém descreveu melhor esse mundo extinto que Stefan Zweig nas suas memórias. Churchill foi um homem que moldou o século XX, liderou e deixou a sua forte marca no século democrático, o século das ideologias, da rebelião das massas, da guerra mecanizada e total. A partir de 1914, Churchill participou, em lugares de comando, na carnificina que sepultou o poder e o prestígio das elites tradicionais, que dizimaram uma geração e destruíram o centro do mundo, ou seja, a Europa. Participou ativamente no doloroso parto do século XX, embora encarnasse tipicamente os homens da sua classe, moldados pela mentalidade do século anterior. Dizia que não tinha sido eleito primeiro-ministro para presidir ao desmembramento do Império Britânico, que era justamente a tarefa que se impunha, a partir de 1945. Dedicou a vida ao serviço do povo inglês, da Grã-Bretanha e do império. Era uma responsabilidade natural, que lhe tinha sido outorgada no berço. Era branco, inglês e neto de um duque. Representava o pináculo da evolução humana, de acordo com o darwinismo vitoriano, e a sua cabeça tinha sido formatada pelo século XIX. Salvando a liberdade dos povos europeus e garantindo a sobrevivência da democracia, Churchill constituiu a salva de despedida das elites governantes nascidas para mandar e para servir. Salvou o mundo do legado de destruição e ruína que foi o saldo histórico dos últimos Governos aristocráticos da Europa, afinal a sua gente.

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