Um novo capítulo no comércio transatlântico: forte, ainda que não perfeito
O acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos marca o fim de um capítulo, mas a história da prosperidade futura da Europa ainda está a ser escrita
Presidente da Comissão Europeia
O acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos marca o fim de um capítulo, mas a história da prosperidade futura da Europa ainda está a ser escrita
Diariamente, são mais de 4,6 mil milhões de euros de bens e serviços que atravessam o Atlântico, entre a União Europeia (UE) e os Estados Unidos da América (EUA). Com um total de 1,68 biliões de euros de comércio anual, a UE e os EUA têm a relação económica mais importante do planeta. Daí a importância do acordo alcançado no mês passado.
Muito se tem escrito sobre o acordo. Há aspetos que é importante abordar diretamente. Este acordo representa uma escolha deliberada: estabilidade e previsibilidade em vez de escalada e confronto. Imaginemos, por exemplo, que as duas maiores potências económicas do mundo democrático não tinham conseguido chegar a um acordo e iniciavam uma guerra comercial, os únicos a celebrar teriam sido Moscovo e Pequim.
Em vez disso, chegámos a um acordo. Um acordo forte, ainda que não perfeito.
Acreditamos que os direitos aduaneiros são impostos aplicados aos consumidores e às empresas. Aumentam os custos, reduzem as possibilidades de escolha e tornam as economias menos competitivas. Se tivéssemos retaliado com direitos aduaneiros do nosso lado, corríamos o risco de desencadear uma guerra comercial dispendiosa, com consequências negativas para os nossos trabalhadores, consumidores e indústrias. E em qualquer cenário de escalada, uma realidade permaneceria inalterada: os EUA continuariam a manter o seu regime pautal mais elevado e mais imprevisível.
O elemento mais importante do nosso acordo foi o facto de termos definido uma linha muito clara de 15% para a grande maioria dos produtos da UE, nomeadamente automóveis e produtos farmacêuticos. Ao estabelecer um limite máximo claro e global para os direitos aduaneiros, este acordo proporciona clareza e estabilidade aos milhões de europeus cuja subsistência depende do comércio com os EUA.
A taxa dos diretos aduaneiros para a UE é de 15% e é uma taxa global. A UE é o único parceiro económico que tem este teto pautal global: 15%, sem aumentos adicionais. Isto contrasta com os acordos dos EUA com outros países, em que as novas taxas de base acrescerão aos antigos direitos aduaneiros em vigor. Assim, as mercadorias europeias entrarão no mercado dos EUA em condições mais favoráveis, conferindo às empresas da UE uma vantagem distintiva.
Somos também os únicos parceiros que conseguiram uma garantia exclusiva sobre o limite pautal para os setores dos produtos farmacêuticos, dos semicondutores e da madeira. Além disso, temos um regime especial de direitos aduaneiros baixos para produtos estratégicos, tais como a cortiça, as peças de aeronaves e os produtos farmacêuticos genéricos. Não se trata de categorias abstratas; são fundamentais para a competitividade da Europa. Manter estes produtos isentos de direitos aduaneiros reforça tanto a UE como os EUA. E existe o compromisso claro de ambas as partes de continuarmos a trabalhar no sentido de alargar esta lista.
Ao mesmo tempo, a UE manteve-se firme nos seus princípios fundamentais. As nossas regras permanecem inalteradas. Cabe-nos decidir a melhor forma de proteger a segurança dos alimentos, salvaguardar a proteção digital dos cidadãos europeus e garantir a saúde e a segurança. Este acordo protege os nossos valores e promove os nossos interesses.
O acordo marca o fim de um capítulo, mas a história da prosperidade futura da Europa ainda está a ser escrita. A nossa relação económica com os EUA pode ser para nós a mais importante, mas é apenas uma parte de um panorama muito mais vasto. Os EUA são o principal destino do comércio europeu, mas representam apenas cerca de 20 % das exportações de mercadorias.
É por esta razão que a Europa continuará a reforçar e a diversificar os laços comerciais com os quatro cantos do mundo, a fim de gerar exportações, emprego e crescimento para a UE. É por esta razão que, nos últimos meses, celebrámos acordos comerciais com o México e o Mercosul e aprofundámos os laços com a Suíça e o Reino Unido. É por esta razão que concluímos as conversações com a Indonésia e pretendemos celebrar um acordo com a Índia até ao final do ano. Estas parcerias reforçam os nossos laços de confiança e cooperação e permitem-nos abordar desafios mundiais comuns, incluindo a modernização do sistema comercial baseado em regras.
Mais importante ainda, a Europa tem de reforçar a sua própria capacidade de agir num mundo mais volátil. Este reforço começa dentro de portas, completando o nosso mercado único. Como afirmou, acertadamente, Mario Draghi, “os elevados obstáculos internos e a fragmentação regulamentar são muito mais prejudiciais para o crescimento do que quaisquer direitos aduaneiros instituídos por um país terceiro”.
Atualmente, o comércio entre os Estados-Membros da UE representa menos de metade do volume de comércio entre os estados dos EUA. Se a Europa quer estar à altura do seu potencial, é este o nosso desafio mais urgente. Desde a redução da burocracia à promoção dos serviços transfronteiriços, sabemos o que é necessário fazer para desbloquear a competitividade europeia, e esta Comissão Europeia está profundamente empenhada em alcançar este objetivo.
A Europa mantém-se focada no longo prazo. Cabe-nos a nós completar o nosso mercado único, impulsionar a nossa competitividade e a sustentabilidade das indústrias de amanhã e garantir que a Europa continue a ser um pilar de estabilidade num mundo cada vez mais incerto. Se queremos uma Europa forte e independente, temos de ter a ambição e a unidade para lhe dar forma.
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