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Opinião

Os que ninguém vê

Os que ninguém vê

Isabela Figueiredo

Escritora, vencedora do Prémio Urbano Tavares Rodrigues

O Carlos disse-me que nunca tinha estado tão bem. No dia seguinte, começaria a gozar as primeiras férias da sua vida. Aos 50 e tal

Carlos trabalha como motorista numa instituição de pessoas idosas e carenciadas. Chegou a casa perto da meia-noite, na sexta-feira passada. Eu estava com as cadelas frente ao seu prédio, sentada num murete, aproveitando o fresco da noite. Vinha com um colega que o deixou e levou a carrinha da instituição. Percebi que vinham tocados porque falavam alto com liberdade acesa nos olhos. Não reconheci o Carlos, porque estava escuro e os meus olhos nunca foram grande coisa. Quando realmente o vi, aproximei-me para o beijar. Era o filho mais novo da dona Rosa, que veio de Angola e era costureira. Uma senhora muito doce e profissional, cujo filho mais velho sofria de paralisia cerebral e era totalmente incapacitado. Era o José. A D. Rosa, quando o trazia à rua, tinha de controlar a forma como o José se aproximava das mulheres. Incomodava-me que aproximasse a sua cara a dois centímetros da minha e perguntasse: “Queres casar comigo?” Era muito embaraçoso.

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