Donald Trump candidato ao Nobel da Paz diz muito sobre os tempos que vivemos, de crueldade, de insensibilidade e de total inversão dos valores que há décadas defendíamos como os únicos decentes em sociedades civilizadas
No domingo passado, no caminho do seu campo de golfe em Washington, Donald Trump avistou uns sem-abrigo, vivendo em tendas na berma da estrada ou em parques adjacentes. O Presidente dos Estados Unidos, muito dado a rompantes de autoritarismo despertados pelo golfe (que o diga Ursula von der Leyen e a Europa...), não gostou do que viu e imediatamente ‘tuitou’ uma ordem para os sem-abrigo: “Saiam da nossa capital. Imediatamente.” No dia seguinte, acrescentou que o número de homeless em Washington D.C. estava a aumentar exponencialmente, causando uma “onda de criminalidade” na cidade, tomada por “gangues violentos e perigosos, sedentos de sangue”. As três coisas são falsas: o número de sem-abrigo tem vindo a descer nos últimos anos, a criminalidade na capital federal em 2024 foi a mais baixa dos últimos 30 anos e ninguém de boa-fé imagina que gente que dorme na rua faz parte de gangues criminosos e violentos. Mas, bem ao seu estilo, Trump decidiu que as estatísticas oficiais estavam falseados pelos democratas — como já concluíra sobre os dados do desemprego, que não lhe agradaram — e, passando por cima da mayor de Washington, fez avançar a Guarda Nacional para “restabelecer a ordem” na cidade. Na véspera, o seu insaciável ego fora acarinhado pelos Presidentes da Arménia e do Azerbaijão, que, na sequência do acordo de paz entre ambos, negociado pela Casa Branca, o propuseram para Prémio Nobel da Paz, como já o fizera o Presidente do Paquistão. Trump, de facto, adoraria vencer o Nobel da Paz, conseguir uma coisa e o seu contrário: intimidar o mundo inteiro, com tarifas, mísseis ou sequestro das riquezas naturais, e ver o mundo inteiro saudá-lo como o grande pacifista dos nossos tempos. Não há nada de mal, antes pelo contrário, em que ele use a sua força de persuasão para conseguir calar conflitos que as partes não conseguem resolver, mesmo que por isso cobre uma “comissão” em direitos de exploração exclusivos sobre as riquezas dos países “pacificados”. E se hoje, na cimeira do Alasca, conseguir obter de Putin um acordo de paz minimamente aceitável pela Ucrânia, o Nobel ficará mais perto e a Europa será outra vez enxovalhada por Trump. Mas como é possível pensar sequer em candidatar a um prémio como o Nobel da Paz um homem que castiga os mais pobres do seu país, que derruba quem quer que lhe faça frente ou apenas discorde dele, que instituiu uma caça aos imigrantes, perseguidos por quererem uma vida melhor através do trabalho e, em alguns casos, enviados para a prisão de alta segurança de El Salvador, sem acusação, sem defesa e sem julgamento e sem saberem ao menos até quando ali ficarão? Donald Trump candidato ao Nobel da Paz diz muito sobre os tempos que vivemos, de crueldade, de insensibilidade e de total inversão dos valores que há décadas defendíamos como os únicos decentes em sociedades civilizadas.
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