Opinião

Porque é que Mário Centeno irrita tanto uma ‘certa’ direita?

Porque é que Mário Centeno irrita tanto uma ‘certa’ direita?

Gonçalo Ribeiro Telles

Comentador político, fundador e consultor de comunicação na GRiT Communication & Political Risk

Mais do que irritar ou assustar politicamente, Centeno parece deixar ‘certa’ direita tão nervosa como a esquerda fica com o nome de Passos Coelho. Só que provavelmente com mais caminho para percorrer. Consegue que liberais se tornem anti-liberais e que a ambição, mérito ou o interesse no país seja vendido como uma novidade ou um motivo de vergonha. Porquê? É preciso recuar a 2015 e aos anos seguintes

A história do porquê de Mário Centeno irritar tanto ‘certa’ direita e não só tem contornos que devem interessar a quem faz análise política, mas são também todo um tratado sobre alguma da sociologia portuguesa. Desde 2015 que poderíamos encaixar o que autores tão distintos entre si como Eça, Pessoa e até Sophia mais denunciavam nos portugueses ou em certas ‘bolhas’ (palavra que está tanto na moda hoje) neste enredo. Mas vamos por partes e poupemos nos caracteres porque isto é um artigo de opinião que vive como sempre da visão estritamente pessoal, sem favores, e não tem a ambição de se tornar uma obra literária de grande envergadura como aquela biografia autorizada, acompanhada e planeada sobre o ex-governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.

O drama desta irritação com o ‘ainda’ governador do Banco de Portugal (ao momento que escrevo) tem mais de dez anos, mas o último salpico veio através da peça do Observador que coloca a necessidade do Banco de Portugal de mudar de instalações e concentrar todos os serviços num só edifício, como se de uma vontade repentina se tratasse quando isso ficou selado há anos, remontando ao tempo dos anteriores governadores da instituição. Aliás, é curioso que se coloque o suposto ‘pai’ das “contas certas”, da obsessão dos gastos (reduzidos) do Estado e da diminuição da dívida portuguesa como um engenheiro (!) que deveria ter ‘prevenido’ melhor aquilo que qualquer estudante da faculdade sabe serem as red flags normais num empreendimento desta dimensão. Menos surpresa causa a reação dos verdes do CDS-PP e do supostamente prudente Marques Mendes a essa ‘peça.’ Adiante, que a reação moderadíssima do Almirante e companhia não tardam.

É importante notar que Mário Centeno nunca respondeu de forma inocente ou como um totó às campanhas de que foi alvo internamente no país desde 2015. Leia-se ou entenda-se que o economista é também hoje um político hábil, mas que sempre soube separar os papeis. Quando o caluniaram publicamente vezes sem conta por usar o papel de governador num périplo pelo país ou apresentar o tal boletim, foi facilmente relembrado e atestado que isso tinha sido prática de todos a quem tinha sucedido no cargo. Nem o intuito para o qual insinuavam que o fizesse, se veio a confirmar. Muito menos as divergências com as projeções económicas do governo deixaram de seguir uma certa coerência de sempre nas suas avaliações financeiras, secundadas aqui por outras entidades.

Mais do que irritar ou assustar politicamente, Centeno parece deixar ‘certa’ direita tão nervosa como a esquerda fica com o nome de Passos Coelho. Só que provavelmente com mais caminho para percorrer. Consegue que liberais se tornem anti- liberais e que a ambição, mérito ou o interesse no país seja vendido como uma novidade ou um motivo de vergonha. Porquê? É preciso recuar a 2015 e aos anos seguintes.

Aquele tipo estrangeirado e meio ridicularizado pelo nosso ‘excelso’ mundo financeiro, com um ar goofy e sem o ar severo ou de rosto fechado que é desde o tempo de Salazar um sinónimo da ‘capa’ de seriedade necessária para a tal direita que odeia Centeno, acabou a metê-los a todos no bolso através de uma governação que era suposto durar meses e descambar. Desde aí que a reconfiguração 360º do partido que advinha do descalabro ‘Sócrates’ se tornou difícil de perdoar para alguns. Centeno, como qualquer economista que tem muito de político, nunca aparentou ser parco na ideia que tem sobre si próprio (estará para nascer o primeiro). Mas da expressão internacional que conquistou por mérito próprio, sem paralelo entre os seus pares, até à simpatia que gera entre os portugueses, tornou-se alguém que assanha como ninguém a “bolha” (voltemos à palavra tão em voga) de certa direita.

Luis Montenegro não é indiferente a isso e por mais peças ‘jornalísticas’ com muita motivação e pouco contexto que surjam, está num dilema. Não reconduzir aquele que é provavelmente o economista português mais competente e deixá-lo à solta na esperança que vá para o tal cargo europeu ou nomeá-lo, contradizendo publicamente tudo o que foi insinuado sobre ele no cargo e colocando em cheque o seu próprio Ministro das Finanças?

Eu aposto na primeira, mas nada é certo.

Seja como for, a agenda forçada da descredibilização já está aí, não vá ele ficar em Portugal e o PS estar atento.

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