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Opinião

Falar com os mortos

Conversar com os nossos mortos é um grande ato de sanidade

Na semana passada, no rescaldo do funeral de Jota e da ausência de Ronaldo, falei aqui do luto e da beleza que se esconde no aparente absurdo de certas atitudes: descer o caixão devagar com duas cordas como se lá dentro estivesse um bebé vivo e não um cadáver; levar flores à campa de um morto que já não pode apreciar a beleza de nada, muito menos pétalas que vão estar murchas no dia seguinte numa lápide que é um íman de calor; falar com um morto que vemos a enrolar-se nos lençóis da cama ou a emergir na espuma da banheira. Hillary Mantel dizia que um dia viu um fantasma ao fundo das escadas, e eu acredito nela. Os escravos da lógica e do útil não compreendem, mas eu aposto que esses fanáticos da objetividade estão mais próximos do Júlio de Matos do que eu. Conversar com os nossos mortos é um grande ato de sanidade, porque, caso contrário, se não for mesmo possível o reencontro com as pessoas que partem, então, meus caros, somos apenas uma rocha perdida no vácuo de um cosmos que não quer saber de nós, que, aliás, ignora a nossa presença.

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