Cesário Verde abre ainda mais o enquadramento, inventa o plano de grua, ascendente, constante, e só vemos a cidade, porque ele, o “eu” e eu desaparecemos
“Isso vem no Cesário”, dizem-me. A frase sobressaltou-me porque uso muito “vem em” quando explico que a literatura explica todas as coisas. E porque no caso em questão está mesmo tudo no Cesário. Helder Macedo, em “O Romântico e o Feroz” (1988), avança a tese de um “erotismo de humilhação” no poeta lisboeta. Depois da voga do “homem fatal”, em começos de oitocentos, apareceu, em finais do mesmo século, a “mulher fatal”, imortalizada por Keats em “La Belle Dame sans Merci” logo em 1819. Cesário retomou essa figura e situação, e o ensaio diz que pouco importa a verdade biográfica, se o “eu” do poema é o lojista de ferragens da Baixa, filho do senhor Verde. O que interessa é a sensibilidade da época, não a contingência individual, além do mais hipotética. Ou seja, a mulher distinta, aristocrata ou actriz, inacessível ou coquete, o jogo e o artifício, a diferença e a indiferença, a inadequação do sujeito. Está tudo no Cesário.
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