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Opinião

Tatuagem: um sentido para a vida

Tatuagem: um sentido para a vida

Isabela Figueiredo

Escritora, vencedora do Prémio Urbano Tavares Rodrigues

Nunca gostei de inscrições na pele e nunca acreditei nos argumentos de quem as fazia: para celebrar isto e lembrar aquilo

Uma tarde, o Fábio não foi à aula, a última do dia. Já tinha anoitecido quando saí da sala de aulas e me dirigi à dos professores. Encontrei-o no percurso, sentado numas escadas, esperando-me. Chorava muito. Parei, sentei-me ao seu lado tentando compreender o que se havia passado. Assoava-se, soluçava e mal conseguia articular uma palavra. Acabei por perceber que a namorada tinha acabado com ele. Tudo o que dela sabíamos era o nome tatuado no braço esquerdo do Fábio, com uma linda caligrafia eduardiana: Jessica. Em tamanho grande, a negro. Ele andava sempre de manga curta para que lhe víssemos a tatuagem. Estava muito apaixonado. Sentia-se orgulhoso por ela o ter escolhido como namorado. Mas naquele momento o Fábio estava em sofrimento e cabia-me escutá-lo e animá-lo. Para isso me procurara. Disse-lhe as frases comuns que se dizem a quem está a sofrer por amor e tem 17 anos: que se não teve sucesso foi porque não tinha de ser, que no amor raramente se acertava à primeira, que quando uma porta fecha, outra se abre, que ele merecia melhor e iria encontrar outras raparigas. Tudo passaria com o tempo. Outras Jessicas se cruzariam com ele. Muito mais bonitas. E ele continuava chorando, como se não me ouvisse. Na sequência, afirmei algo de que me arrependo até hoje. Felizmente, o Fábio não entendeu, imerso que estava na sua dor: “Procura outra Jessica. Já aí tens o nome tatuado. Já viste a vantagem?” E depois calei-me. Não houve reação. Ele não me estava a ouvir, apenas a chorar com companhia.

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