O “pobre” é uma construção que as elites usam para os mais diversos fins. Até há pouquíssimo tempo, a esquerda endeusava o “povo”, sobretudo o “povo” das terras míticas do sul, Alentejo, Margem Sul, cintura industrial de Lisboa e outras periferias da capital
O “pobre” é uma construção das elites que dominam os meios de representação cultural: jornais, revistas, telejornais, filmes, peças, séries, romances; o “pobre” é mais um espelho das ânsias das classes privilegiadas do que uma descrição correta daquela antropologia; o “pobre” é uma obra de Santa Engrácia, é um estaleiro eterno em perpétua azáfama, sempre com os andaimes presos à fachada, sempre com as betoneiras a dar a dar na rua, sempre com os baldes de massa a entrar, porque é um conceito que está sempre a ser refeito pelas perceções dos mais ricos e/ou educados e, por isso mesmo, diz-nos mais sobre as elites do que sobre as pessoas que vivem de facto na pobreza e que são muito mais complexas e interessantes do que o tal conceito. No fundo, passa-se o seguinte: o dramaturgo (a elite) escreve uma peça e marca um x no palco; o “Pobre”, na estrutura rígida dessa peça, tem de ficar ali quietinho naquele x, não se pode mexer, não tem agência, está ali para cumprir as ordens ideológicas das elites da mesma forma que as criadas cumprem as ordens das patroas; está ali enquanto cabide emocional das elites, está ali para ser mimado ou enxovalhado, depende da época. Como é óbvio, a realidade é um pouco mais complexa: os pobres não aparecem onde deviam aparecer, não querem saber do x, têm agência própria para o bem e para o mal.
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