Opinião

O vazio que alimenta extremos

O vazio que alimenta extremos

Frederico Teixeira

Jurista, Doutorando em Ciência Política

Quando a política deixa de transformar e passa a apenas sobreviver, o terreno fica fértil para quem promete rasgar tudo, mesmo sem dizer o que constrói depois

Não é só a política que está em crise. É o país. Portugal vive preso num ciclo de baixa ambição, onde se perdeu o desígnio coletivo e a capacidade de pensar a longo prazo. As crises partidárias, as eleições sucessivas e os governos frágeis não são apenas sintomas de instabilidade institucional, são o reflexo de um problema mais profundo: deixámos de saber para onde queremos ir. E quem não sabe onde quer chegar, dificilmente se revolta com o rumo errado.

A política transformou-se num exercício de gestão do imediato. Uma espécie de administração do dia seguinte, sem ousadia, sem projeto e sem coragem de reformar. Vivemos a democracia como se fosse um reality show, comentando escândalos, trocando insultos, tratando cada eleição como uma batalha tribal. Enquanto isso, a janela de oportunidade para transformar estruturalmente o país vai-se fechando. O mundo acelera, e nós ficamos a discutir quem fica com o volante de um carro que já nem sabemos se está em movimento.

A grande questão, porém, não é apenas quem governa. Mas para quê. Que projeto nacional temos? Que país queremos construir nas próximas duas ou três décadas? A ausência de resposta a esta pergunta é talvez a mais grave das nossas crises. Sem uma ideia galvanizadora de futuro, sem um desígnio que una, inspire e mobilize, qualquer liderança será sempre efémera. E qualquer resultado eleitoral, por mais surpreendente que pareça a alguns, será apenas a consequência natural de um vazio prolongado.

É nesse vazio que os extremos crescem. Não porque tenham soluções viáveis – não têm. Mas porque oferecem indignação. Canalizam frustrações. Dão nome ao desconforto de quem se sente sistematicamente ignorado. Quando a política deixa de transformar e passa a apenas sobreviver, o terreno fica fértil para quem promete rasgar tudo, mesmo sem dizer o que constrói depois. Os extremos não se combatem com moralismo de ocasião, nem com insultos públicos – combatem-se com ideias, com debate, com alternativas. O silêncio e o desprezo só os alimentam.

Não se trata de uma defesa dos extremos. Pelo contrário, é precisamente o oposto. Trata-se, antes, de um apelo para deixarmos de assobiar para o lado – Porque se continuarmos a ignorar as causas, a desconfiança na política, a sensação de abandono, a perceção de que só se governa para alguns, então não nos podemos dar ao luxo de ficar surpreendidos se os resultados forem ainda mais expressivos numa próxima eleição. A democracia não falha quando apresenta resultados incómodos. Falha quando se recusa a escutar.

Portugal não é um país falhado. Mas é, há demasiado tempo, um país adiado. E adiar reformas essenciais é, em si, uma escolha política, uma escolha pela irrelevância. A falta de proximidade à rua, às pessoas reais, aos seus problemas concretos, não é apenas uma falha de comunicação, mas uma falência da própria ideia de representação. Sem proximidade, não há legitimidade. E sem legitimidade, cresce o espaço do ressentimento.

Precisamos de uma nova gramática política. Líderes que não tenham medo de falar de futuro. Que rejeitem a lógica da sobrevivência tática e proponham reformas mesmo quando estas sejam incómodas. Que vejam o país para além do ciclo eleitoral. Que falem de crescimento, sim, mas também de liberdade, de dignidade, de mobilidade social, de educação transformadora, de justiça eficaz, de um Estado que funcione. Precisamos de devolver à política a sua dimensão de causa, e não de carreira.

É urgente reconstruir um contrato nacional. Um contrato que coloque o mérito no centro, que valorize o esforço, que promova a liberdade económica com responsabilidade social e que crie uma cultura de resultados – não para servir estatísticas, mas para melhorar a vida concreta das pessoas. Um contrato que trate o cidadão não como um número, mas como alguém a quem se deve uma resposta.

No fim de contas, todos os votos contam. Da esquerda à direita. São uma expressão legítima da vontade do povo. No entanto, cabe aos que ainda acreditam no equilíbrio democrático – na sua diversidade e complexidade – resgatar a política da mediocridade, da futilidade e da resignação. O combate aos extremos faz-se de frente, com ideias mobilizadoras, com propósito coletivo e com visão.

Se não começarmos já, depois não digamos que fomos apanhados de surpresa. Porque a surpresa, neste momento, só existe para quem não quer ver.

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