No dia 8 de maio, a Ucrânia e o mundo assinalam o 80.º aniversário da vitória sobre o nazismo na Segunda Guerra Mundial – o maior e mais devastador conflito da história da humanidade. Esta guerra foi a mais sangrenta e brutal alguma vez travada: envolveram-se nela 80% da população mundial e morreram entre 50 e 85 milhões de pessoas. Como resultado, foi estabelecida a chamada ordem do pós-guerra, com a ONU no centro, a sua Carta e uma série de documentos internacionais destinados a prevenir guerras e manter a paz e a estabilidade. Assim viveram o mundo e a Europa durante décadas – não sem desafios, mas sem tragédias de grande escala com milhares de vítimas e destruição – até que a Federação Russa iniciou a sua agressão injustificada e não provocada contra a Ucrânia. Neste Dia de Memória das inúmeras vítimas da Segunda Guerra Mundial, é oportuno recordar algumas das principais lições que a humanidade deveria ter aprendido com essa tragédia.
A primeira lição – a política de apaziguamento do agressor nunca funciona. Todos recordamos as palavras do primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain – “trago-vos a paz” – ditas após o seu regresso de Munique em 1938, onde foi assinado o vergonhoso Acordo de Munique. Muitos na Europa acreditaram que, ao ceder os Sudetas da Checoslováquia a Hitler, estariam a saciar o apetite do agressor e a evitar uma grande guerra no continente. Hitler, por sua vez, declarou que essa era a sua última reivindicação territorial. Mas os acontecimentos subsequentes mostraram que esse ato de apaziguamento foi em vão: as ambições expansionistas dos regimes totalitários nunca se saciam. Trazendo isto para o presente, todas as conversas sobre possíveis concessões territoriais por parte da Ucrânia não passam de uma analogia direta com esses eventos históricos. Nenhuma concessão ucraniana satisfará o regime russo. Esta guerra não se trata de território, nem de língua ou pessoas. Estamos perante uma guerra de natureza neocolonial, baseada no revisionismo histórico. Os objetivos desta agressão são muito mais amplos do que cinco regiões ucranianas: visam o desmantelamento da ordem mundial baseada em regras, a destruição da unidade das democracias e o regresso do mundo à era dos impérios e das zonas de influência.
Segunda lição – a vitória é sempre um esforço e uma responsabilidade coletiva. Ninguém na Europa alguma vez pôs em causa a contribuição da URSS para a vitória sobre o nazismo. No entanto, a propaganda soviética – e mais recentemente a russa – tentou constantemente apropriar-se dessa vitória, diminuindo o papel dos outros povos e aliados da coligação anti-Hitler. Essa manipulação começou com a própria definição da data de início da guerra – 1941 em vez de 1939 – de forma a evitar menções ao vergonhoso Pacto Molotov-Ribbentrop, segundo o qual a URSS e a Alemanha dividiram a Polónia. Os manuais de história também apresentavam de forma extremamente limitada o vasto teatro de guerra do Pacífico ou o papel crucial do programa de apoio militar e económico dos EUA à URSS – o lend-lease. Desde o início da agressão russa em grande escala contra a Ucrânia, a campanha de desinformação e revisionismo histórico intensificou-se. A liderança russa afirma que a República Socialista Federativa Soviética da Rússia sofreu as maiores perdas durante a Segunda Guerra Mundial e que a vitória foi alcançada graças aos seus recursos humanos e industriais – o que não corresponde à realidade. A vitória foi coletiva. E o papel da Ucrânia nela foi, sem exagero, decisivo. A Ucrânia foi um dos principais teatros de operações militares. Ao contrário da Rússia, o seu território foi completamente ocupado e sofreu um regime brutal de ocupação e exploração. Cerca de 2,4 milhões de ucranianos foram deportados para trabalhar no Reich. Entre 1939 e 1945, o número de civis mortos chegou a 5 milhões, entre os quais 1,5 milhões de judeus ucranianos e 20 mil ciganos assassinados pelos nazis. As perdas materiais da Ucrânia representaram 45% do total soviético. Mais de 6 milhões de ucranianos combateram nas fileiras do Exército Vermelho e centenas de milhares participaram em movimentos de resistência ou nas forças armadas dos Aliados. Nenhum país pode reivindicar para si o mérito exclusivo da vitória sobre o nazismo. A vitória foi o resultado dos esforços titânicos de dezenas de nações e centenas de povos. Do mesmo modo, é inadmissível usar o estatuto de “vencedor da Segunda Guerra Mundial” para justificar políticas agressivas no presente. Hoje, a Rússia instrumentaliza a história da Segunda Guerra Mundial para criar um “culto da vitória”, mobilizando ideologicamente os seus cidadãos e manipulando-os para apoiar uma guerra ilegal contra a Ucrânia. Não é por acaso que, uma das justificações declaradas pela liderança russa para esta guerra em grande escala – que já dura mais de três anos e custou milhares de vidas de civis ucranianos – é a chamada “desnazificação”, que, na prática, significa o genocídio da nação ucraniana. Esta atividade propagandística da Federação Russa foi condenada pelo Parlamento Europeu na sua Resolução 2024/2988 (RSP) de 23 de janeiro de 2025, sobre a desinformação e falsificação histórica da Rússia para justificar a sua guerra de agressão contra a Ucrânia.
Lição três – responsabilizar todos os culpados pela agressão, promover o arrependimento e a expiação é parte essencial para evitar a repetição de tragédias como a Segunda Guerra Mundial no futuro. No caso da Alemanha nazi, isso concretizou-se através do Tribunal de Nuremberga e de um longo e minucioso processo interno. Como resultado, a sociedade alemã conseguiu passar da repressão da memória e do silêncio sobre o passado para a análise dos crimes cometidos e da culpa coletiva, sendo este processo considerado um dos fatores-chave para a democratização do país. Pelo contrário, após o colapso da URSS, a abordagem crítica ao regime totalitário soviético — marcado por repressões em massa, Holodomores, deportações forçadas de povos inteiros e uma política ativa de russificação — foi rapidamente abandonada na Rússia contemporânea. Sem dúvida, esta omissão está entre as causas dos inúmeros crimes cometidos pelo exército russo em território ucraniano, incluindo a deportação forçada em massa de crianças. Por isso, uma paz justa e duradoura é impossível sem a responsabilização plena e abrangente de todos os envolvidos. O crime de agressão — que está na origem de todos os crimes de guerra, crimes contra a humanidade e do crime de genocídio cometidos pelas forças russas contra a Ucrânia e o povo ucraniano — deve ser punido. É precisamente para encontrar os mecanismos jurídicos necessários à criação de um Tribunal Especial sobre o crime de agressão contra a Ucrânia que cerca de quarenta países têm trabalhado ao longo dos últimos dois anos. Nos próximos dias, a Ucrânia e os seus parceiros internacionais tencionam anunciar decisões concretas quanto à criação deste Tribunal Especial. Assim, a principal lição a reter dos trágicos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial deve ser a capacidade de valorizar a paz e defendê-la por todos os meios razoáveis.
Esta data não simboliza o triunfo dos vencedores, mas sim um alerta sobre uma catástrofe terrível, lembrando que não se podem resolver problemas internacionais complexos através de chantagens, ultimatos, agressões armadas ou anexações.
A Ucrânia presta homenagem e expressa a sua gratidão a todos os que combateram o nazismo, honra a sua memória sob o lema “Nunca Mais”, e espera que as duras lições da Segunda Guerra Mundial sejam finalmente aprendidas.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt