Ursula von der Leyen agradeceu entusiasmada o comportamento dos cidadãos peninsulares, que aguentaram estoicamente 10 ou 12 horas sem electricidade: “Gracías, muito obrigado!” Em Gaza, estão assim há meses
O apagão apagou-me estava eu fora de casa, em Olhão. A primeira dificuldade foi regressar a casa pois o comando eléctrico não abria a porta e a campainha também não funcionava: valeu-me o telemóvel ainda operacional para pedir que me viessem abrir a porta manualmente. Depois disso, tudo se foi apagando aos poucos: descobri que a avaria não era local, mas nacional e peninsular; que em casa não tinha TV, rádio, internet, música, telefone fixo, e, em breve deixei de ter acesso à internet através dos dados móveis do telemóvel. Enfim, veio o golpe final: a impossibilidade de fazer e receber chamadas no telemóvel e enviar ou receber SMS. Fiquei absolutamente isolado do mundo, num descampado da União das Freguesias de Moncarapacho-Fuzeta. Sozinho em casa e depois na escuridão só alumiada por uma luz de vela. Felizmente, tenho a mania das velas e recuso-me a cozinhar em fogões eléctricos: a placa é a gás, o forno é eléctrico, o que me permite safar sempre, como foi o caso, usando a placa quando falta a electricidade ou o forno quando falta o gás. Enquanto houve luz do dia, entretive-me a ler e a escrever, depois disso entrei na escuridão do século XVIII e foi com ela que mais tarde entrei no sono, ainda não havia luz à vista. Podia lembrar-me uma cena do “Barry Lyndon”, do Kubrick, mas faltavam mais velas, mais gente e alguma intriga e música. Porém, subindo à açoteia, antes de me ir deitar, percebi que não estava só no mundo e que em breve regressaria a electricidade, pois que à direita via as luzes de Faro e à esquerda as de Tavira. Li depois que em Lisboa e outras cidades o apagão acabou por ser uma rara ocasião de confraternização entre vizinhos e desconhecidos e de convívio nas praças e esplanadas, até com crianças a brincarem juntas na rua, em lugar de estarem cada uma fechada na escuridão tenebrosa das redes. Mas aqui não houve nada disso, apenas, e de hora a hora, a possibilidade de ir lá fora ouvir as notícias através do rádio do carro. Foi isso que me permitiu perceber que o mundo continuava a girar, embora o Governo pouco ou nada informasse e a Protecção Civil, sempre tão lesta a avisar-nos que vai chover ou fazer vento, desta vez remeter-se a um digno silêncio, adequado à gravidade da situação. Mas o jornalismo das rádios não falhou e, agora apenas na condição de utente, isso deu-me uma reconfortante sensação de companhia e dever cumprido.
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