Opinião

Em campanha eleitoral, a Defesa não dá votos

Em campanha eleitoral, a Defesa não dá votos

João Vieira Borges

Major-General, coordenador de Observatório da Defesa da SEDES

O major-general João Vieira Borges, coordenador do Observatório de Segurança e Defesa da SEDES, analisou os programas eleitorais da Aliança Democrática e do Partido Socialista na área da Defesa, a pedido do Expresso, para concluir que os dois maiores partidos não especificam "conceitos de ação ou números, com receio de serem alvo de debate discutível ou de escrutínio posterior"

Programas eleitorais do PS (Um Novo Impulso para Portugal) e da AD (Portugal não pode parar) em termos de Defesa Nacional: a linha vermelha do Estado Social


1. Introdução

Os programas eleitorais dos diferentes partidos políticos não deixam de abordar a situação internacional e as consequências para a segurança e defesa de Portugal, da Europa e do Mundo. No entanto, a abordagem mais política, leva a que não especifiquem conceitos de ação ou números, com receio de serem alvo de debate discutível ou de escrutínio posterior. Como resposta defensiva, estabelecem algumas linhas vermelhas, tendo o cuidado de associar aos inevitáveis investimentos em defesa as garantias de manutenção do Estado Social.

Vejamos agora os programas do PS e da AD, os quais são mais desenvolvidos em função do facto de terem estado no poder muito recentemente e de, simultaneamente, serem partidos de poder.


2. Programa do PS

O programa do PS inclui as principais questões da Defesa na 5ª Missão (de 5), identificada como “Um Portugal central na Europa e no Mundo”.

Antes disso, não deixa de fazer o enquadramento geopolítico de Portugal, seja na afirmação da relação transatlântica como prioridade da Política Externa portuguesa, seja como ator proativo no desenho de uma nova arquitetura de segurança para a Europa, seja ainda na defesa da Ucrânia e do direito à autodeterminação, soberania e integridade territorial. Destaca ainda, a necessidade de aprofundamento da participação nacional em instâncias multilaterais, da NATO à OCDE, apoiando a Organização para a Segurança e Cooperação Europeia e o Conselho da Europa.

Sem destacar números ou percentagens, refere a necessidade de contribuir para o processo de aprofundamento da autonomia estratégica da EU nos domínios energéticos, tecnológico, industrial, da competitividade e ao nível da segurança e defesa.

Para além da ameaça russa, não deixa de sublinhar os novos desafios colocados no âmbito da relação com os EUA. E nesse âmbito destaca claramente a participação no Plano ReArmEurope, destacando em sublinhado que o reforço do investimento europeu em defesa não deve colocar em causa as políticas de coesão e o Estado Social, privilegiando o endividamento comunitário como instrumento financeiro.

No final, e no capítulo “Uma Defesa Nacional à altura dos desafios atuais” (p. 231, subdividido em: 4.1 Capacitação; 4.2 Ação Externa; 4.3 Economia da Defesa; 4.4. Carreira e Condição Militar) sublinha a necessidade de o país estar preparado para encetar uma nova fase de investimento na Defesa Nacional, sendo prioritário acelerar de forma determinada a modernização e o reforço das nossas capacidades militares.

Destaca ainda, a necessidade de Portugal acompanhar e participar ativamente nos esforços de afirmação militar europeia e da indústria nacional poder desempenhar um papel muito relevante na sua concretização, através do investimento na capacitação da base industrial e tecnológica de defesa, do cluster aeronáutico ao cluster marítimo.

Neste capítulo todas as grandes questões associadas à defesa estão levantadas, mas com um discurso muito genérico, muito de La Palice. O programa não reflete a despesa adicional para chegar aos 2% do PIB e muito menos aos 3%, que serão provavelmente decididos na cimeira da NATO poucos dias depois da tomada de posse do governo. Quando aborda o investimento em defesa tem a preocupação de salvaguardar as políticas de coesão e o Estado Social, privilegiando o endividamento comunitário como instrumento financeiro (programa ReARm?).


3. Programa da AD

O programa da AD está dividido em três partes (I -Mais que promessas: resultados; II – Programa social e de governação da AD – coligação PSD/CDS; III – Programa económico da AD – coligação PSD/CDS), e inclui as questões da defesa na parte II, identificada como “A Defesa Nacional: porque é preciso continuar? Metas; medidas” (páginas 184 a 186).

O contexto internacional e o posicionamento geopolítico de Portugal também é feito ao logo do documento, destacando as incertezas, a guerra de conquista que a Rússia desencadeou na Ucrânia (violando fronteiras estabelecidas e o direito internacional, vitimando inocentes e destruindo alvos civis), o agravamento da situação política e militar no Médio Oriente, a ascensão da China como potência global, a deslocação estratégica norte-americana para o Indo-Pacífico e o recente posicionamento da administração Trump.

Assume a importância da credibilidade junto dos aliados, assim como a necessidade de assegurar um aumento dos investimentos da Defesa Nacional, em linha com as exigências dessas organizações multilaterais, mas sublinhando que o irá fazer sem colocar em causa os equilíbrios orçamentais, o bom desempenho da Economia e as obrigações cometidas ao Estado Social.

Nas metas destaca que no novo contexto geopolítico, pretende fortalecer o investimento na segurança e defesa, em linha com a UE e a NATO, antecipando a meta de 2029 (2% do PIB em defesa), mediante duas condições: o investimento não porá em causa o Estado Social e deve ter um efeito multiplicador do crescimento, ampliando a nossa indústria de segurança e defesa.

Mas medidas a alcançar sublinha de novo os 2% do PIB, que serão antecipados para 2029, referindo ainda o desenvolvimento da capacidade industrial nacional gerando emprego e valor acrescentado, com 20% em bens, infraestruturas e equipamentos, em linha com os compromissos NATO.

Todas as grandes questões da defesa estão listadas do garantir forças armadas capacitadas, ciberdefesa, indústrias de defesa, antigos combatentes e história militar.

Com uma metodologia diferente do PS, aborda as temáticas em linha com os trabalhos em desenvolvimento no governo. Assim, é um programa menos teórico e político, e com medidas mais objetivas, designadamente os 2% do PIB na NATO (não fala nos 3%). Mas, tal como o PS, salvaguarda várias vezes que não afetará o estado social destacando que terá um efeito multiplicador do crescimento.


4. Considerações finais

Os dois programas (PS e AD) estão bem trabalhados em termos de defesa, elencando as grandes questões relacionadas com a situação política internacional (ambos abordam a preocupação com a nova administração Trump) e com a necessidade de investimento na defesa em geral e nas forças armadas em particular. Ambos têm a mesma linha de continuidade do compromisso com as organizações internacionais de que fazemos parte, desde a ONU à NATO, passando pela EU.

Relativamente ao investimento concreto na defesa e para além das palavras, só o programa da AD refere concretamente a intenção de antecipar os 2% do PIB para 2029, mas destacando que não porá em causa o Estado Social e que vai ter um efeito multiplicador do crescimento, ampliando a nossa indústria de segurança e defesa. Por outro lado, não aborda a maneira como vai fazer esse mesmo crescimento do PIB, designadamente no que respeita a eventuais empréstimos no âmbito da União Europeia.

Neste âmbito, o programa do PS não aborda valores de crescimento, destacando que o crescimento poderá ser suportado por empréstimos no âmbito do programa ReARm da União Europeia. E tal como o programa da AD, sublinha por diversas vezes que o reforço do investimento europeu em defesa não deve colocar em causa as políticas de coesão e o Estado Social, privilegiando o endividamento comunitário como instrumento financeiro.

Em nenhum dos programas é abordada a possibilidade dos 3% do PIB (apesar da pressão dos EUA para um compromisso com os 5%), situação que será certamente discutida e aprovada em sede da cimeira da 38ª cimeira da NATO, que terá lugar em Haia a 24 e 25 de junho. E isso constitui um compromisso com inevitáveis consequências para a gestão das contas públicas de Portugal e dos diferentes países da NATO. Mas em campanha eleitoral, a defesa não dá votos e muito menos quando se fala em cortes financeiros nas diferentes funções do Estado, com destaque para o Estado Social, considerado pelos dois programas como uma linha vermelha.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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