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Opinião

O telefone vermelho

Zelensky e os seus amigos europeus desdenharam sempre obter um acordo de paz quando a Ucrânia estava numa posição bem mais favorável e agora estão dependentes das condições ditadas por Putin e da vontade de Trump

Se uma guerra nuclear entre as duas grandes potências mun­diais terminaria com a destruição mútua de ambas e o extermínio de dois terços da Humanidade, parece evidente que não há outra solução que não o entendimento entre elas visando a renúncia recíproca à utilização de armas nucleares. A isto chamámos durante décadas o “equilíbrio do terror”, que garantiu que por mais ogivas nucleares que Estados Unidos ou União Soviética acrescentassem aos seus arsenais elas não eram para ser usadas, mas apenas para servirem como factor de dissua­são. Foi assim possível, mesmo nos mais tensos momentos da chamada Guerra Fria, chegar a acordos que limitavam o número de ogivas ou de mísseis intercontinentais de cada lado — os tratados SALT I e II e START — e de manter, em última instância, uma via aberta de diálogo directo entre os Presidentes dos dois países: o “telefone vermelho”. E assim vivemos quase 50 anos, no fio da navalha mas em paz, até que Margaret Thatcher pressentiu em Mikhail Gorbatchov a intenção de pôr fim à União Sovié­tica. Seguiu-se aquilo que eu considero o maior erro estratégico do Ocidente: sobre as ruínas da URSS e a liberdade reconquistada pelos seus países satélites, pegar nestes e utilizá-los para expandir a NATO cada vez mais para leste em direcção à Rússia. Hoje, uns garantem-nos que Putin quer voltar a 1991 e reconquistar todos os países aos quais a Rússia então restituiu a independência, ressuscitando sob a sua alçada o antigo Pacto de Varsóvia, enquanto outros vão mais longe e asseguram que ele quer conquistar a Europa inteira: não é invenção, é a doutrina dominante entre os actuais líderes europeus e da União Europeia (UE). Eu acredito antes que ele é, sim, um nostálgico do Império Russo tal como Catarina, a Grande, o delimitou, incluindo nele a Crimeia, a Ucrânia e os demais países vizinhos que têm uma história ou uma população ainda ligada à Rússia. A sua célebre frase, tantas vezes citada, de que “o fim da ­União Soviética foi a maior catástrofe do século XX” é sempre truncada, omitindo a continuação da frase, em que ele justificou a afirmação com o facto de a extinta União Soviética ter abandonado russos à sua sorte nos países de onde se retirou. Talvez seja um bocado isso que ele agora tenta resgatar. Mas isso agora não vem ao caso.

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