Opinião

A escassez do financiamento do Ensino Superior

A escassez do financiamento do Ensino Superior

João Goes e Jaime Branco

Professores Catedráticos da Universidade NOVA de Lisboa

Se Portugal quer competir numa economia aberta, baseada no conhecimento e inovação, não pode continuar a financiar o Ensino Superior como se todas as áreas tivessem os mesmos custos associados

O melhor elevador social é a educação. Por isso tantos países apostam no acesso e qualidade do Ensino Superior (ES). Portugal, num notável esforço de recuperação, aproximou-se dos outros países da UE.

Entre 1991 e 2008, o número anual de estudantes diplomados aumentou 350%, Entre 2009 e 2022, esse crescimento foi de 11% e foi anunciado novo aumento das vagas para o próximo ano. Contrariamente ao crescente número de alunos inscritos no ES, as verbas do Orçamento do Estado (OE) para o ES, foram em 2023 semelhantes às de 2010. Uma - muito - substancial descida em relação ao valor do PIB e devido à taxa de inflação acumulada.

Assim, as universidades têm que recorrer ao aumento das receitas próprias, como serviços e propinas da pós-graduação, tantas vezes insuficientes. Acresce uma desigualdade, histórica e iníqua, nas dotações do OE por estudante, em notável desvantagem das instituições do ES mais recentes, como a Universidade NOVA de Lisboa. Nos últimos anos tem havido algum esforço e vontade política para corrigir esta disparidade. Mas, as medidas corretivas são lentas e incompletas.

No final do processo, as escolas que oferecem os cursos mais técnicos (e.g., aulas com elevada intensidade laboratorial, demonstrações e contactos intensivos) e com maiores custos de formação por aluno (e.g., engenharias, medicina) são financeiramente prejudicadas, em relação às escolas com cursos mais teóricos, conceptuais ou doutrinais.

Em alguns casos, boa parte das receitas próprias provém de projetos de investigação competitivos, no âmbito de doutoramentos e formação avançada. Ora, esses recursos são, em parte, utilizados na compra de equipamentos, reagentes e componentes, para tentar suprir carências existentes nos laboratórios propedêuticos. Essa prática, assegurando condições mínimas para o ensino, compromete a finalidade original dos fundos, enfatizando a continuada falta de investimento nessas infraestruturas essenciais.

Para garantir a qualidade do ensino recorrem – no caso da Medicina – a vencimentos simbólicos e não raramente nulos, em que os médicos docentes ensinam os alunos, voluntaria e graciosamente, no decorrer das tarefas clínicas. Igualmente, muitos cursos de engenharia, como eletrotécnica (microeletrónica e robótica), mecânica, civil, materiais, química, física, informática (IA) exigem infraestruturas laboratoriais incomportáveis pelos níveis de financiamento disponíveis. A insuficiência destes recursos dificulta a preparação dos alunos para os desafios do mercado de trabalho e da investigação.

A escassez de financiamento agrava outro problema crítico: a atração e retenção de docentes altamente qualificados. Em muitas destas áreas, os setores industriais e grupos de saúde privados, oferecem salários muito superiores aos que as universidades pagam a um médico ou professor auxiliar ou investigador de carreira. Sendo impossível competir com o setor privado, é a capacidade das instituições públicas do ES para formar novas gerações de engenheiros, médicos e investigadores de excelência que fenece.

Esta situação merece correção urgente, sob pena de poder originar uma inevitável e nefasta degradação da qualidade do ES, em áreas que são essenciais para o país. Se Portugal quer competir numa economia aberta, baseada no conhecimento e inovação, não pode continuar a financiar o ES, como se todas as áreas tivessem os mesmos custos associados. Ignorar esta realidade é condenar o nosso país à estagnação científica, tecnológica e económica, motor da fuga de talentos para o estrangeiro.


O preço da inação será pago com décadas de atraso e irrelevância crescente no panorama europeu e internacional.

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