Opinião

M.A.G.A. (Make America Great Alone)

M.A.G.A. (Make America Great Alone)

Fernando de Melo Gomes

Almirante Melo Gomes, antigo chefe do Estado-Maior da Armada

De repente, a Europa parece acordar para este novo normal que, na verdade, era previsível. A indignação é mais do que legítima, mas nada resolve

Desde o início do primeiro mandato de Trump que foi clara a sua visão de preterir a União Europeia (UE) em favor de Rússia de Putin. Mais, foi evidente a sua intenção de a destruir, favorecendo os defensores do Brexit. Na altura, em que não dominava por completo o Congresso, o Supremo Tribunal , o Pentágono , as redes sociais e a maioria dos Estados e, por isso, tinha algum decoro e contenção, não se arrogava como o eleito pelos céus para moldar o mundo de acordo com a sua disruptiva visão. Bem avisava Kissinger: ‘The president elected is the most unique ….he has absolutely no baggage…’

Agora, que já aprendeu alguma coisa e que, de facto, os checks and ballances se esfumam, a sua visão torna-se mais clara e mais perigosa: o único valor a seguir é a transação e, assim, os Estados Unidos rasgam os tratados e alianças que possibilitaram a sua liderança fundada num sistema internacional baseado nos valores da democracia e em instituições multilaterais que garantiam pelo menos a observância de regras, alguma cooperação internacional, e um patamar mínimo de segurança e paz. Os velhos inimigos, ou adversários, capitalizam e os aliados atraiçoam-se! Havia , pelo menos, alguma decência….agora é tudo mais simples. Não é novo na história. A lei da força sobre a força da lei e a regra de que, nas relações internacionais, não há amigos nem inimigos …apenas interesses.

Ameaça-se tornar o Canadá como 51º estado, conquista-se ou compra-se a Gronelândia, ameaça-se o Panamá, transforma-se Gaza num sociedade por quotas, troca-se o Donbas por terras raras e doa-se tudo à Rússia. Impõem-se tarifas mais pesadas aos aliados do que aos adversários, proferem-se sermões sobre a ética democrática em Munique, logo em Munique….e legitima-se a interferência em eleições de um novo Rasputine da informação. É o novo e desgraçado normal que nenhum democrata pode aceitar.

De repente, a Europa parece acordar para este novo normal que, na verdade, era previsível. A indignação é mais do que legítima, mas nada resolve e Trump pode ser o ensejo para entender a dura realidade: o mundo há muito que deixou de ser eurocêntrico e os EUA não mais têm a capacidade de se empenharem em dois cenários confrontacionais simultâneos. Ou seja, o ‘Ocidente’ acabou e a UE que, apesar de tudo, ainda mantém a liderança no comércio mundial, não tem na balança de poder o peso correspondente porque lhe falta o fator essencial: capacidade militar.

Espartilhada nas suas contradições entre a ameaça russa e o afastamento americano a Europa está só.

A verdadeira humilhação a que foi submetida na pseudo solução Trump/Putin para a guerra na Ucrânia fala por si. A Rússia, de uma penada ganha a Crimeia e o Donbas, fratura a NATO e a UE gesticula, não conta, e nem sequer se senta à mesa das negociações para salvar a face de um acordo que estimo como estabelecido há muito. É claro que Trump, sendo um grande homem de negócios, está certo das boas intenções de Putin e o experimentado Mark Rubio imporá o seu saber ao novato Lavrov! Zelensky que os conhece, bem avisou durante a indecente receção de que foi alvo na Sala Oval.

No final, ao preferir uma clara aproximação à Rússia em detrimento da UE que acusa de ter sido formada para ‘lixar’ os EUA, Trump irá, mais tarde, ou mais cedo, entender a inviabilidade de ‘Fazer a América Grande’ …sozinho.

Um desastre anunciado que pode vir a ser, de facto, uma oportunidade para a UE se reformar e criar uma capacidade militar autónoma , dentro da futura NATO ou fora dela. Isso irá implicar significativas e difíceis alterações do enquadramento politico europeu, mas é uma condição de sobrevivência.


Tal levará tempo, muito tempo, espera-se que menos do que levará a Rússia a reorganizar-se e Putin a prosseguir o seu sonho de reconstruir a União Soviética e usar os métodos do costume, destabilizando os estados vizinhos com pretensas afinidades para, em tempo oportuno, intervir e defender do ‘genocídio ‘ os seus simpatizantes.

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