Opinião

A dança das cadeiras: quando a política se confunde com o teatro infantil

A dança das cadeiras: quando a política se confunde com o teatro infantil

Ricardo Costa

Chairman do Grupo Bernardo da Costa | Presidente do Conselho Geral da AEMinho

O problema não está em um governante ter um passado empresarial, mas sim na forma como gere os potenciais conflitos de interesse quando passa a ocupar um cargo de poder

Nas últimas duas semanas, Portugal assistiu a uma sequência de eventos políticos que mais se assemelham a uma tragicomédia, pondo em evidência a relação promíscua entre política e negócios e a fragilidade das nossas instituições democráticas.

O caso Spinumviva: Negócios de Família ou Negócios do Estado?

Tudo começou com a revelação de que a empresa familiar do primeiro-ministro, Luís Montenegro, a Spinumviva, mantinha contratos lucrativos com o grupo de casinos Solverde, recebendo uma avença mensal de 4.500 euros desde 2021. Montenegro, que havia transferido a gestão da empresa para a esposa e filhos ao assumir a liderança do PSD, negou qualquer conflito de interesses, afirmando que não cometeu “nenhum crime nem falha ética” . Contudo, a legalidade da transferência de ações foi questionada, uma vez que a lei não permite a venda de ações entre cônjuges, colocando Montenegro numa posição delicada.

É importante frisar que qualquer político tem direito a ter um passado empresarial. Não podemos cair na armadilha de exigir que a política seja um reduto exclusivo para quem nunca fez nada no setor privado ou para aqueles cuja carreira se limitou a viver na sombra dos partidos, ocupando cargos de assessores ou similares. Um país que exclui da governação quem tem experiência real na criação de empregos e no desenvolvimento económico condena-se a ser gerido por teóricos, que sabem tudo sobre política mas pouco sobre a vida real. No entanto, essa permissão para que empresários ocupem cargos públicos exige, em contrapartida, total transparência e um compromisso inabalável com a ética. O problema não está em um governante ter um passado empresarial, mas sim na forma como gere os potenciais conflitos de interesse quando passa a ocupar um cargo de poder.

O discurso à Nação: Uma aula de ambiguidade:

No meio deste turbilhão, Montenegro dirigiu-se ao país, ladeado pelos membros do governo, para assegurar que “Portugal está forte e recomenda-se”, apesar das “incertezas internacionais e dos desafios que a Europa enfrenta”. Anunciou ainda que transferiria a empresa familiar para o nome dos filhos, numa tentativa de afastar suspeitas de conflitos de interesse. Contudo, a sua disposição para apresentar uma moção de confiança ao parlamento deixou muitos na dúvida sobre as reais intenções do primeiro-ministro.

Reações da oposição: Entre a censura e a confiança:

A oposição não tardou a reagir. O Partido Comunista Português (PCP) anunciou a intenção de apresentar uma Moção de Censura ao Governo, argumentando que o executivo “não merece confiança, merece sim censura e condenação”. André Ventura, líder do Chega, comparou Montenegro a José Sócrates, afirmando ser “impossível viabilizar a confiança de um primeiro-ministro com este grau de suspeição sobre si próprio”. Já o Partido Socialista (PS), liderado por Pedro Nuno Santos, declarou que não viabilizaria a moção de censura, mas também não apoiaria uma eventual moção de confiança, acusando Montenegro de ser um “fator de instabilidade”.

A dança das moções: censura, confiança e contradições:

O anúncio de Montenegro levou o PCP a avançar com a prometida moção de censura, prontamente apoiada pelo Chega. Entretanto, o PS reiterou que votaria contra ambas as moções, garantindo, na prática, a continuidade do Governo. Este jogo político, onde partidos dizem não confiar no Governo mas recusam-se a derrubá-lo, transforma o parlamento num teatro de absurdos, onde a coerência é a grande ausente.

A credibilidade das Instituições: Uma espécie em extinção?

Este episódio lança uma sombra sobre a credibilidade das instituições democráticas em Portugal. Quando os representantes eleitos se envolvem em jogos de poder e interesses pessoais, a confiança do povo é inevitavelmente abalada. A promiscuidade entre política e negócios não é novidade, mas a desfaçatez com que é exibida ultrapassa os limites do aceitável.

Soluções para a crise: sonho ou realidade?

Para resgatar a confiança nas instituições, é imperativo implementar reformas que garantam a transparência e a ética na política. Duas medidas urgentes são:

1. Reforço das Leis de Transparência: reforço da legislação que obrigue os titulares de cargos públicos a declarar detalhadamente os seus interesses e património, com fiscalização rigorosa e penalizações efetivas para omissões ou falsidades. Ao mesmo tempo, devem ser constituídas equipas que verifiquem e fiscalizem a veracidade das declarações e confiram eventuais impedimentos.

2. Criação de uma entidade Independente de ética pública: Estabelecer um organismo autónomo com poderes para investigar e sancionar conflitos de interesse e outras infrações éticas, garantindo que os políticos sejam responsabilizados pelos seus atos.

Sem ações concretas e corajosas, continuaremos presos neste ciclo vicioso de escândalos e desconfiança, onde a política se assemelha mais a uma novela de mau gosto do que a um serviço público digno.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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